A Donzela sem mãos e o Complexo Paterno

 


 Por: Hellen Reis Mourão

No conto "A Donzela sem Mãos", coletado pelos irmãos Grimm, o complexo paterno surge como tema central e simbólico. A história trata de uma jovem que, por ganância e inocência do pai, acaba sofrendo inúmeras privações e sofrimentos. A trama começa com o pai, um humilde moleiro, que faz um pacto com o diabo sem perceber as consequências. Ele é levado a prometer a sua filha ao diabo em troca de riqueza. Quando descobre o que fez, ao invés de proteger a filha, ele se submete e até contribui com o mal, cortando as mãos dela para cumprir o acordo. Esse ato simboliza a falha do pai em assumir seu papel protetor e cuidadoso, abrindo espaço para um "complexo paterno" em que ele é tanto figura de provedor quanto de opressor. A donzela, por sua vez, inicia um caminho de autorreconhecimento de sua força própria, superando a falta de proteção paternal e desenvolvendo sua autonomia. Ela se casa, encontra apoio em outras pessoas. Mas ao casar o diabo retorna, e ela precisa ir embora novamente para a floresta com seu filho recém-nascido, encarar a dor e a solidão. Na floresta sozinha, ela recebe a proteção e amparo de um anjo. É nesse momento que ela começa a se relacionar com seu Animus positivo, sem levar em conta as regras coletivas. É na solidão, e no assumir esse sentimento de aridez da solidão causada pela possessão do Animus, que a mulher pode se encontrar com a sua natureza mais profunda.

Como cita Von Franz, em O Feminino nos contos de Fadas: “É este o momento que uma mulher compreenderá que, ainda que tenha um marido e filhos, ou uma profissão, não está verdadeiramente viva.” Pois o complexo paterno, afasta a mulher de sua natureza feminina, substituindo por algo artificial. Em vários mitos e contos de fadas, o herói liberta a princesa do poder do pai. Exemplo: Ariadne e Teseu, Jasão e Medeia, o conto O Velho Rink Rank etc. Esses exemplos, mostram que o masculino da mulher é projetado exteriormente em um homem, que se torna seu herói. No conto, a donzela é salva da fome e solidão pelo rei. Mas existe ainda uma camada de desenvolvimento, mais profunda da psique da mulher, que é a retirada da projeção desse Animus.

Pois ela ainda está presa, e esse herói idealizado está projetado. Ela não se relaciona a partir da perspectiva humana com o homem. Mas projeta nele o arquétipo do herói redentor. Neste caso, em algum momento ele irá fracassar como parceiro antecipar interiormente a fase de "confrontação", que se caracteriza pelo encontro de dois indivíduos (O medo do feminino). Por isso, o diabo retorna no conto, impelindo a heroína a solidão novamente, mas agora para que ela possa se conectar com seu Animus positivo, que está nela mesma. Conforme Neuman (O medo do feminino), no desenvolvimento da mulher moderna, isto significaria que seu desapontamento com um parceiro pessoal realmente leva à desistência do relacionamento pessoal com um homem em particular ou com os homens em geral, mas que esse mesmo desapontamento flui para dentro do desenvolvimento emocional e espiritual de um relacionamento redentor com o transpessoal, por exemplo, de uma forma religiosa. Se retirar na floresta, significa aceitar conscientemente a solidão e aceitá-la. É parar de obedecer às demandas da vida social, cegamente, e parando de projetar no externo sua angústia de solidão. A floresta representa a sua natureza intocada, e é lá que ela precisa mergulhar, para que possa permitir que sua verdadeira natureza se manifeste.

Essa natureza é aquela que não foi definida pelo relacionamento com o outro.

Se pergunte: O que você faria se pudesse se libertar de todas as demandas e obrigações da vida exterior? E como você se sentiria? Mas é nessa aparente regressão e nessa simplicidade, que a coisas começam a mudar para a heroína no conto. Conforme Von Franz (O feminino nos contos de fadas): “Na prática só uma experiencia religiosa direta pode tirar essa mulher das dificuldades: a solidão e a introversão profunda em que está mergulhada e que, de um ponto de vista externo e superficial, poderiam ser interpretadas em termos de regressão e doença mental, são, de fato, a condição para um encontro com a verdade interior, figurada pelo anjo.” Representa deixar a sociedade, e os ditames do externo, que a mulher encontra a sua verdade e pode retornar a sua vida, sem perder novamente sua identidade.

 

 

 

 

 

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