A Donzela sem mãos e o Complexo Paterno
No conto "A Donzela sem
Mãos", coletado pelos irmãos Grimm, o complexo paterno surge como tema
central e simbólico. A história trata de uma jovem que, por ganância e
inocência do pai, acaba sofrendo inúmeras privações e sofrimentos. A trama começa
com o pai, um humilde moleiro, que faz um pacto com o diabo sem perceber as
consequências. Ele é levado a prometer a sua filha ao diabo em troca de
riqueza. Quando descobre o que fez, ao invés de proteger a filha, ele se
submete e até contribui com o mal, cortando as mãos dela para cumprir o acordo.
Esse ato simboliza a falha do pai em assumir seu papel protetor e cuidadoso,
abrindo espaço para um "complexo paterno" em que ele é tanto figura
de provedor quanto de opressor. A donzela, por sua vez, inicia um caminho de
autorreconhecimento de sua força própria, superando a falta de proteção
paternal e desenvolvendo sua autonomia. Ela se casa, encontra apoio em outras
pessoas. Mas ao casar o diabo retorna, e ela precisa ir embora novamente para a
floresta com seu filho recém-nascido, encarar a dor e a solidão. Na floresta
sozinha, ela recebe a proteção e amparo de um anjo. É nesse momento que ela
começa a se relacionar com seu Animus positivo, sem levar em conta as regras
coletivas. É na solidão, e no assumir esse sentimento de aridez da solidão
causada pela possessão do Animus, que a mulher pode se encontrar com a sua
natureza mais profunda.
Como cita Von Franz, em O
Feminino nos contos de Fadas: “É este o momento que uma mulher compreenderá
que, ainda que tenha um marido e filhos, ou uma profissão, não está
verdadeiramente viva.” Pois o complexo paterno, afasta a mulher de sua natureza
feminina, substituindo por algo artificial. Em vários mitos e contos de fadas,
o herói liberta a princesa do poder do pai. Exemplo: Ariadne e Teseu, Jasão e
Medeia, o conto O Velho Rink Rank etc. Esses exemplos, mostram que o masculino
da mulher é projetado exteriormente em um homem, que se torna seu herói. No
conto, a donzela é salva da fome e solidão pelo rei. Mas existe ainda uma
camada de desenvolvimento, mais profunda da psique da mulher, que é a retirada
da projeção desse Animus.
Pois ela ainda está presa, e esse
herói idealizado está projetado. Ela não se relaciona a partir da perspectiva
humana com o homem. Mas projeta nele o arquétipo do herói redentor. Neste caso,
em algum momento ele irá fracassar como parceiro antecipar interiormente a fase
de "confrontação", que se caracteriza pelo encontro de dois
indivíduos (O medo do feminino). Por isso, o diabo retorna no conto, impelindo
a heroína a solidão novamente, mas agora para que ela possa se conectar com seu
Animus positivo, que está nela mesma. Conforme Neuman (O medo do feminino), no
desenvolvimento da mulher moderna, isto significaria que seu desapontamento com
um parceiro pessoal realmente leva à desistência do relacionamento pessoal com
um homem em particular ou com os homens em geral, mas que esse mesmo
desapontamento flui para dentro do desenvolvimento emocional e espiritual de um
relacionamento redentor com o transpessoal, por exemplo, de uma forma
religiosa. Se retirar na floresta, significa aceitar conscientemente a solidão
e aceitá-la. É parar de obedecer às demandas da vida social, cegamente, e
parando de projetar no externo sua angústia de solidão. A floresta representa a
sua natureza intocada, e é lá que ela precisa mergulhar, para que possa
permitir que sua verdadeira natureza se manifeste.
Essa natureza é aquela que não
foi definida pelo relacionamento com o outro.
Se pergunte: O que você faria se
pudesse se libertar de todas as demandas e obrigações da vida exterior? E como
você se sentiria? Mas é nessa aparente regressão e nessa simplicidade, que a
coisas começam a mudar para a heroína no conto. Conforme Von Franz (O feminino
nos contos de fadas): “Na prática só uma experiencia religiosa direta pode
tirar essa mulher das dificuldades: a solidão e a introversão profunda em que
está mergulhada e que, de um ponto de vista externo e superficial, poderiam ser
interpretadas em termos de regressão e doença mental, são, de fato, a condição
para um encontro com a verdade interior, figurada pelo anjo.” Representa deixar
a sociedade, e os ditames do externo, que a mulher encontra a sua verdade e
pode retornar a sua vida, sem perder novamente sua identidade.

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