Perder ou não perder o controle?
Quando nascemos nosso ego leva muitos anos para se formar, e é imprescindível para o processo de individuação, que durante o que Jung chamou de primeira etapa da vida, nosso ego se desenvolva e se firme no mundo. Uma atitude egóica é necessária nesse momento, pois quando atingimos o nosso ápice do crescimento e quando nosso corpo funciona a todo vapor precisamos começar a segurar as rédeas de nossa vida e assumir o controle dela, mesmo que isso seja ilusório. Temos uma necessidade imperiosa disso. As escolhas profissionais e amorosas devem ser feitas. Casar ou não casar? Com quem e quando? Qual profissão seguir? E se não fizermos essas escolhas conscientemente a vida vai nos cobrar posteriormente.
Mas
após as escolhas terem sido feitas, após sentirmos que nossa vida está em
nossas mãos, surge uma nova etapa.
Algo
em nós muda. Nosso corpo já começa a diminuir o seu vigor. Em alguns pode até
surgir alguns cabelos brancos. Começamos a perder entes queridos como mãe, pai,
avós. E nesse instante tudo parece desmoronar.
Então,
no que Jung denominou segunda metade da vida, onde começa o questionamento do
sentido da vida, é necessário um sacrifício. O sacrifício de nossa necessidade
de controle e surge a imperiosa redenção a um poder maior, que é o poder do Self. Precisamos reaprender a aprender,
mas agora com o inconsciente.
Essa
segunda metade da vida atualmente ocorre em épocas diferentes para as pessoas.
Não há uma fórmula. Para algumas pessoas pode ocorrer aos 30 ou 40. E não
necessariamente todos chegam a ela. Algumas pessoas com 50, 60 anos podem nunca
entrar nessa etapa. Elas estão ainda fixadas em realizações mesmo que seu corpo
já lhe diga ao contrário.
Nosso
ego é corporal. Quando nascemos o espírito que nos anima encarna em nosso corpo
animando um ego. Quando morremos esse corpo irá desaparecer juntamente com esse
ego. Ele nunca mais voltará a existir. Por isso Jung diz que cada ser humano é
único e é por esse motivo que quem sofre o processo de individuação é o ego.
Então,
pelo fato de que um dia deixará de existir, o ego possui uma necessidade enorme
de controle. Nós temos muito medo de perder o controle, pois sabe que vai morrer
desaparecer.
O
corpo envelhece, mas nosso espírito é atemporal. E isso gera muita dor e desapontamento.
Entretanto, se não aceitamos esse destino inevitável corremos o risco de nos
tornarmos Dorians Grays perdidos e desesperados na busca da eterna juventude e
beleza. O espírito precisa aprender com esse corpo e esse ego, nessa vida.
Quando
desencarnamos o espírito (ou alma, não importa a designação), retorna ao todo
levando o aprendizado. Esse espírito irá reencarnar ou não, dependendo da
necessidade. No todo não há opostos, não há bem e mal, não há masculino e feminino.
Portanto lá deixaremos de ser homem ou mulher e estaremos na totalidade.
Carl
Jung, em Cartas, 01-02-1945, Vol. I relata sua experiência de quase
morte. Nesse relato podemos ter um retrato da totalidade e do que podemos
encontrar no pós vida. É quase impossível colocar em palavras essa experiência,
mas algo pode ser apreendido pela sua leitura. Coloco a seguir alguns trechos.
“Esta
experiência me deu uma sensação de extrema pobreza, mas ao mesmo tempo de
grande plenitude. Não havia mais nada que eu quisesse ou desejasse. Eu existia
de forma objetiva, eu era o que eu tinha sido e vivido. No início, a sensação
de aniquilação predominou, de ter sido assaltado ou saqueado, mas, de repente,
aquilo não teve nenhuma conseqüência.
Tudo
parecia ter passado; o que restou foi um “fato consumado”, sem qualquer
referência ao que tinha sido. Não havia mais qualquer arrependimento de que
algo havia sido subtraído ou tirado. Pelo contrário: eu tinha tudo que eu era,
e isso era tudo.”
“Vista de fora e enquanto estivermos do lado
de fora, a morte é a coisa mais terrível. Mas, uma vez dentro, experimenta-se
um sentimento tão forte de totalidade, paz e realização que não se deseja
voltar. Realmente, durante o primeiro mês após a primeira visão, sofri de negras
depressões porque sentia que estava me recuperando. Era como se estivesse
morrendo. Eu não queria viver e retornar a esta vida fragmentária, restrita,
estreita e quase mecânica, onde se estava sujeito às leis da gravidade e
coesão, preso num sistema tridimensional, turbilhonado com outros corpos na
torrente impetuosa do tempo. Lá havia plenitude, significando satisfação,
movimento eterno (não movimento do tempo).”
E
ai nos perguntamos, se vamos morrer mesmo qual é o sentido de existirmos?
Porque estamos aqui? Qual o sentido disso tudo?
Talvez
não haja resposta, ou talvez simplesmente não tenhamos que saber a resposta.
O
que devemos apenas lembrar é que o Self
precisa desse mundo tridimensional para se desenvolver. Sim, por mais paradoxal
que pareça, o Self se desenvolve por
meio da vida humana.
E
o ego em sua pequenez deve aprender a viver cada momento sem querer controlar
os acontecimentos. Ele deve se tornar flexível e aberto ao aprendizado vindo do
inconsciente. Afinal de contas é a sua única existência, mesmo a despeito da
pluralidade de encarnações, esse ego não irá mais existir.
Levando
novamente ao tema do sacrifício. Isso é o que o Self exige de nós para que a nossa vida terrestre tenha mais
plenitude. Quanto mais o ego tenta controlar os acontecimentos, menos vida ele
tem, e o tempo cronológico passa rápido. Quando nos damos conta é hora da morte
e vivemos uma vida incompleta.
Quando
deixamos de querer controlar tudo, deixando de querer que as coisas aconteçam
do nosso jeito, a vida flui.
Claro
que até atingirmos esse estado de fluidez e conexão com a vida, sofremos muito.
Não é fácil deixar o controle, principalmente em nossa sociedade pautada em realizações
egóicas. E também não pretendo com isso dizer que devemos entrar em um estado
de passividade e não fazer mais nada.
Na
realidade esse é um estado de estar em sintonia com a vida. Com vontade de
aprender. Continuar fazendo as coisas rotineiras, mas em estado de
receptividade para o aprendizado do Self.
Fugir da realidade também não é a saída.
É
o estar presente, corpo e mente no agora. A ansiedade é geralmente causada
porque nós nunca estamos presentes em nós mesmos. Nosso corpo está no aqui
agora, mas nossa mente navega para o passado e futuro.
E
sair do controle é estar presente. O minuto que passou já não volta mais e o
futuro é uma incógnita.
Controle
é quando queremos mudar o passado e tentar prever nosso futuro. Mas a vida só
acontece no agora. E o ego só acontece no presente. Ele não está nem no
passado, nem no futuro. O Self sim é
atemporal, não tem tempo nem espaço. Mas pretender se igualar a ele leva a
inflação e a conseqüente derrota humilhante, isso quando ele não nos destrói.
Existem
vários exemplos desse comportamento na mitologia, o mito de Ícaro é o mais
famoso deles. Pretendendo chegar ao sol ele se queimou. Voou alto demais, não
se manteve na realidade do presente.
Ter
paciência nesse estado é imprescindível, uma vez que aos poucos o Self vai revelando sua intenção e o
sentido. De repente o quebra – cabeça se monta. Mas você só saberá quando ele
se revelar quando estiver presente.
Como
diz Eckhart Tolle: "As soluções sempre aparecem quando saímos do
pensamento e ficamos em silêncio, absolutamente presentes, ainda que seja só
por um instante".
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