O animus
Por: Hellen Reis Mourão
A literatura junguiana,
apresenta muito material sobre a anima, mas pouco material sobre o animus.
Como se trata de um
assunto empírico e polêmico, vou primeiramente apresentar aquilo que Jung
entendia como o “lado masculino da mulher” e depois apresentarei minha vivência
e meu embate com o animus. Não pretendo esgotar o assunto, até porque na época
de Jung os papéis femininos e masculinos eram mais claros e definidos que hoje.
Mas acho que esse estudo vale para uma reflexão, pois apesar de Jung muitas
vezes ter sido acusado de ser um porta-voz de pontos de vista estereotipados
sobre as diferenças entre homens e mulheres, em alguns pontos ele estava
adiante de seu tempo, possuindo certa razão em sua teoria.
Para iniciar o estudo,
é válido lembrar que todos nós carregamos uma quantidade pequena de hormônios
do sexo oposto em nosso organismo.
Consciente disso, Carl
Jung teve a percepção de que todos nós carregamos em nossa psique nossa
contraparte sexual, e nelas estão encerradas as qualidades inerentes ao sexo
oposto, mas que não são conscientes. Jung percebeu também que conforme os
traços psicológicos de cada indivíduo, as tendências do sexo oposto vão sendo
reprimidos e se acumulando no inconsciente.
Carl Jung definiu então
dois termos para designar essas partes reprimidas do sexo oposto em nossa
psique. Ele os denominou de anima e animus. Sendo a anima a contraparte
feminina da psique do homem e animus a contraparte masculina na psique da
mulher.
Mesmo após ter tido
esse insight Jung notou que não era nada fácil conceituá-los. Em O eu e o
inconsciente ele apresenta claramente essa dificuldade:
“A anima, sendo
feminina, é a figura que compensa a consciência masculina. Na mulher, a figura
compensadora é de caráter masculino e pode ser designada pelo nome de animus.
Se não é simples expor o que se deve entender por anima, é quase insuperável a
dificuldade de tentar descrever a psicologia do animus.”
Apesar da anima e do
animus fazerem parte da personalidade eles são dois arquétipos, que possuem
suas raízes no inconsciente coletivo.
Em se tratando do
animus, pode-se afirmar então que se trata da personificação do inconsciente
feminino, representando a imagem coletiva que a mulher tem do homem
É o arquétipo que encerra
as experiências que as mulheres trazem em si com o sexo oposto através de toda
a história da humanidade.
Uma forma de reconhecer
a manifestação do animus no comportamento da mulher é por meio de uma convicção
secreta e sagrada e por meio de opiniões.
Sobre isso, Carl Jung
discorre em sua obra O eu e o inconsciente:
“As opiniões do
animus apresentam muitas vezes o caráter de sólidas convicções, difíceis de
comover, ou de princípios cuja validez é aparentemente intangível. Se
analisarmos, porém, tais opiniões, logo depararemos com pressupostos
inconscientes que deveriam ser provados, de início; em outras palavras, as
opiniões foram concebidas como se tais pressupostos existissem. Na realidade,
essas opiniões são totalmente irrefletidas; existem prontinhas e são mantidas
com tal firmeza e convicção pela mulher que as formula, como se esta jamais
tivesse tido a menor sombra de dúvida a respeito.”
Outra característica do
animus, que difere da anima, é se apresentar como uma pluralidade de pessoas.
Geralmente o animus vai
aparecer nos sonhos femininos como um grupo de homens, ou como um tribunal.
Isso significa que o animus possui um caráter mais coletivo e impessoal,
diferentemente da anima que impele o homem ao que é pessoal e à intimidade. Por
isso é comum, em mulheres quando dominadas pelo animus, falarem de forma geral,
criando generalizações (principalmente em relação aos homens) descabidas.
Outra forma de
manifestação do animus é por meio da escolha amorosa. É o animus que provoca as
paixões nas mulheres, por meio da projeção. Ela irá se sentir atraída
justamente por aquele homem que corresponda a sua masculinidade inconsciente e
que irá acolher essa projeção.
De acordo com Carl
Jung, o animus, apresenta quatro estágios de desenvolvimento. O primeiro
estágio é a personificação do homem que é apenas força física e agilidade — um
exemplo é o atleta, o cowboy. Jung exemplifica com o personagem Tarzan. O
segundo estágio é o "homem de ação", aqui o animus possui iniciativa
e capacidade de planejamento, no sentido de que dirige sua força para algo útil
— pode ser representado pelo herói de guerra, pelo caçador. No terceiro estágio
ele é o condutor, o "verbo" — exemplo, o professor, o grande orador
político ou o clérigo. E por fim no quarto estágio ele é o “sentido”. É o sábio
guia que leva à verdade espiritual e intermédia a consciência da mulher e seu
inconsciente — o deus grego Hermes é uma boa representação desse estágio.
O animus se desenvolve
através desses quatro estágios, e ele precisa se tornar o psicopompo, para que
faça a ponte entre o consciente e inconsciente da mulher, porém os outros
estágios não desaparecerão. Eles continuarão presentes na psique feminina.
Entretanto a mulher no processo de individuação deve aprender quando usar cada
forma de expressão de seu animus. Por exemplo, a força física é necessária para
a sua defesa, o homem de ação leva a
mulher a se tornar uma empreendedora e a se firmar no mundo. O verbo a ajuda a
desenvolver seu pensamento lógico e a distanciá-la quando necessário das
emoções para que possa refletir. E por fim, no quarto estágio, que dificilmente
é alcançado, a mulher irá adquirir uma firmeza espiritual e um invisível amparo
interior, que compensam a sua brandura exterior. Nesse estágio ela não precisa
mais “bater o pau na mesa”, ela não precisa mais ser agressiva, competitiva,
sua feminilidade é amparada e bem cuidada.
Como foi dito
anteriormente, uma das funções do animus é a de psicopompo.
Psicopompo é uma
palavra que tem origem no grego psychopompós,
junção de psyché (alma) e pompós (guia) e designa um ente cuja
função é guiar ou conduzir a percepção de um ser humano entre dois ou mais
eventos significantes.
Portanto, a sua função,
da mesma forma que a anima, é a de se tornar uma ponte entre o ego feminino e o
Self.
Em Animus e Anima, Emma
Jung esclarece essa função:
“Dentre esses
arquétipos há sobretudo dois investidos de grande significado, pois,
pertencendo por um lado à personalidade, e por outro estando enraizados no
inconsciente coletivo, eles constroem uma espécie de elo de ligação ou ponte
entre o pessoal e o impessoal, bem como entre o consciente e o inconsciente.
Estas duas figuras
- uma é masculina,a outra feminina -
foram denominadas de animus e anima por Jung. “
Outra função do animus,
semelhante a anima, é a compensatória.
Mas essa compensação
tem sido muitas vezes interpretada erroneamente. É comum ouvirmos por ai que o
animus e anima fazem oposição à sombra, mas para Carl Jung, essas instâncias
psíquicas formam um par de opostos com a persona.
Para exemplificar em
Animus e Anima, Emma Jung diz:
“Ele entende aí
um complexo funcional que se comporta de forma compensatória em relação à
personalidade externa, de certo modo uma personalidade interna que apresenta
aquelas propriedades que faltam à personalidade externa, consciente e
manifesta. São características femininas no homem e masculinas na mulher que
normalmente estão sempre presentes em determinada medida, mas que são incômodas
para a adaptação externa ou para o ideal existente, não encontrando espaço
algum no ser voltado para o exterior.”
A persona é uma atitude
habitual que o ego adota para se relacionar com o mundo externo. É uma máscara
que o cada indivíduo usa para se adaptar ao meio em que se encontra. Sem ela o
convívio social seria impossível.
Já a anima e o animus
são complexos funcionais que se concentram na adaptação do ego com o mundo
interior, ou para ser mais exata com o inconsciente coletivo.
Portanto, a persona é a
ponte entre o ego e o mundo externo, assim como anima e animus são pontes entre
o ego e a psique mais profunda. Formando assim um par de opostos.
Entretanto, apesar de
anima e animus possuírem semelhanças em suas funções existem diferenças
estruturais entre eles.
Para uma melhor
distinção entre o papel da anima e do animus está em Animus e Anima, onde Emma
Jung diz,
“O papel de
transmitir conteúdos inconscientes, no sentido de torná-Ios visíveis, recai
acima de tudo sobre a anima. Ela ajuda na percepção de coisas que de outra
maneira permanecem no escuro.”
“No animus,
entretanto, a tônica não se encontra na percepção pura e simples - como foi
dito, isso já foi concedido ao espírito feminino desde sempre -, mas sim, de
acordo com o ser do logos, no conhecimento e especialmente na compreensão. O
que o animus tem a transmitir é mais o sentido que a imagem.”
Um dos riscos de
qualquer componente psíquico é o da possessão. E isso não é diferente com o
animus, que por sua vez pode sobrepujar a consciência da mulher e dominar o seu
ego.
Essa problemática
gerada pela possessão do animus é pouco explorada na literatura por Carl Jung. Esse
conceito foi bem desenvolvido posteriormente, por Emma Jung em sua obra Anima e
Animus e também por Marie Louise Von Franz em seus estudos dos contos de fada.
Esses estudos vão ser apresentados logo abaixo.
No momento que a mulher
passa a ser “possuída” por seu animus ela irá apresentar um “problema de
animus”. E quando isso ocorre à mulher ela se torna irritante para aqueles com
quem convivem. Pois seu animus apresenta o caráter de um homem inferior o que a
torna arrogante e prepotente, mesmo que ela não queira transparecer isso.
Em O mapa da alma,
Murray Stein, diz:
“Por mais que
ela possa querer ser receptiva e íntima, não consegue sê-lo porque o seu ego
está sujeito a essas invasões de energias demolidoras que a transformam em
tudo, menos na pessoa amável e gentil que gostaria de ser.”
Portanto, o animus leva a mulher a ter opiniões
insensatas e obstinadas, ela fica cheia de lugares comuns. Suas opiniões não
exprimem o essencial, só conceitos vazios e destituídos de sentido. É como se
estivesse tomada por um juiz arbitrário, e tentar convencê-la de que suas
opiniões não possuem fundamento é apenas dar murro em ponta de faca.
O animus representa o inconsciente da mulher. Não que o inconsciente
possua essas características irritantes, porém na personificação do animus essas características
desagradáveis irão aparecer na consciência da mulher.
Além disso, um ponto
importante é que ao contrario da anima que invade o homem com humores e uma
sentimentalidade baixa, a mulher é dominada pela frieza. Um caráter masculino
inferior a torna brutal, rude. Ela se torna determinada, porém não de uma forma
positiva, mas de uma forma obsessiva.
Em, O caminho dos
sonhos, Von Franz descreve:
“Quando uma mulher fica possuída pelo
animus, o caráter feminino do seu rosto desaparece, seus olhos e a expressão de
sua boca tornam-se rígidos. Noto que quando caio no animus levanto os ombros
como quem se prepara para um combate. Quando faço isso, digo para mim mesma:
"Opa; ôpa, pare e relaxe."”
Outra característica do
animus é que ele costuma levar a mulher a desvalorizar tudo o que provém do
inconsciente, ocasionando uma vida consciente muito pobre, obrigando-a, assim,
a viver de uma maneira bem abaixo de sua real capacidade.
Na verdade, nessa
mulher, a arrogância e a humilhação irão se entrelaçar. Quanto mais humilhada,
mais arrogante ela se tornará.
Em O Homem e seus símbolos,
vemos essa descrição:
“Uma estranha passividade, uma
paralisação de todos os sentimentos ou uma profunda insegurança que pode levar
a uma sensação de nulidade e de vazio é, às vezes, o resultado de uma opinião
inconsciente do animus. No mais intimo de uma mulher murmura o animus:
"Você não tem salvação. Para que lutar? Não vale a pena realizar nada. Não
adianta querer fazer alguma coisa. A vida nunca há de mudar para melhor."
Esse aspecto
paralisante do animus é reforçado pelo fato de o animus muitas vezes ser
representado como um arauto da morte tirando toda a vida produtiva da mulher e
afastando-a da existência humana.
Aspecto do animus é
muitas vezes é apresentado nos contos e nos mitos como o caçador e o guerreiro,
ou seja, aquele que possui a propensão a matar. Ou seja, o animus pode matar a
vida interior e produtiva da mulher.
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Heatthcliff - exemplo na literatura de um animus negativo |
Além disso, a mulher
dominada pelo animus possui uma atitude jocosa e critica em relação aos homens,
afastando qualquer possibilidade de relacionamento.
Outro fato digno de
nota é que o animus, em geral, vê as coisas tortas e muitas vezes de forma
imprecisa. Cegando a mulher para os tesouros do inconsciente e envenenando as
opiniões dela.
Essas opiniões vão
diretamente ao inconsciente das pessoas, infectando o ar com uma nuvem de
veneno. A mulher, então se torna intoxicante para os que convivem com ela.
Em, A Interpretação dos
contos de fada temos um panorama dessa situação:
“Dificilmente
podemos contradizer uma opinião do animus porque em geral é uma opinião certa;
no entanto, raramente enquadra-se numa determinada situação individual. É uma
opinião que parece razoável, mas que está fora de propósito.”
Essa atmosfera
intoxicante leva a mulher a atrair hostilidade para si mesma que ela julga ser
gratuita.
Não há escolha para
essa mulher, é extremamente doloroso para ela viver sendo hostilizada, por isso
ela começa a questionar a irritação das outras pessoas e a questionar-se. Só se
questionando ela poderá reconhecer que parte de sua personalidade ainda está
inconsciente e não desenvolvida.
Mas a irritação das
pessoas ocorre, pois essa mulher alterna ora entre atitudes agressivas e ora em
um estado de extrema passividade, se tornando distraída e adormecida para a
vida, parecendo que não está conectada com o que está acontecendo ao seu redor.
De acordo com Marie
Louise Von Franz, “tais mulheres fazem viagens maravilhosas com seu
animus-amante e vivem submersas nesse amor com o animus, numa espécie de
"sonhar-acordado", sem ter disso clara consciência”.
Outra característica de
mulher possuída pelo animus é a de se remoer em remorso. Ela se culpa por suas
falhas, por suas omissões e pelo que podia ter sido feito. Navegando em um mar
de falsos sentimentos de culpa e de completa esterilidade. Mergulhada em um sentimento
desesperador de ter destruído, os próprios projetos e de ter perdido sua vida
por completo.
Outro enfoque
pertinente nessa problemática do animus se refere a solidão, a pobreza e a fome.
Conforme apontado por Von Franz em A Interpretação dos contos de fada:
“(...)
Solidão, pobreza e fome são enfocados, típicos estados resultantes da possessão
do animus. A atitude de uma
mulher, em grande escala, condiciona os eventos que ocorrem com ela.
(...)
A fome também é típica. A mulher necessita da vida, de relacionar-se com
pessoas e de participar numa atividade significativa. Parte de sua fome advém
da intuição que ela tem de suas atitudes adormecidas e não utilizadas. O animus contribui para a sua
inquietude e então ela nunca está satisfeita; é preciso sempre fazer mais por
uma mulher possuída pelo animus. Não
percebendo que o problema é interior, tais mulheres acham que se elas somente
pudessem sair mais, pudessem gastar mais dinheiro ou, ainda, se tivessem mais
amigos, sua sede de vida seria saciada.”
E essa pobreza e fome
podem significar a fome da alma, mas também podem ser literais. A mulher pode
realmente passar fome.
Agora se pode imaginar
o quanto é difícil se relacionar com uma mulher nesse estado. E quanto mais
possuída por seu animus, mais ela irá afastar as pessoas do seu convívio.
Principalmente os homens, diante dos quais ela se sente estranha, pois seu
animus não permite que sua feminilidade natural flua, levando a mulher a
relações afetivas sem paixão genuína. Ela pode ser vista apenas como um objeto
descartável, pois o animus constantemente degrada sua feminilidade.
Se ela consegue
estabelecer uma relação será extremamente reivindicativa, levando o homem à
loucura.
Outra característica
que a afasta de qualquer contato humano é o fato de tal mulher nunca pensar que
se passa algo errado com ela, ela tem certeza que todos os outros estão
errados, pois suas convicções são absolutas, valiosas, necessárias e ela se
apega a isso com unhas e dentes. Não há como mudá-las. E assim se afasta do
contato humano, se tornando cada vez mais o homem inferior que habita seu
inconsciente.
A falta de definição em
seus propósitos mais importantes de vida também faz parte dessa problemática. A
mulher nesse estado, mesmo sendo extremamente detalhista, quando confrontada a
respeito de seus objetivos mais profundos simplesmente não consegue defini-los.
Um estado de dormência a apodera e a intuição e projeção para o futuro não flui
em sua psique. Ela está presa ao seu animus
naquilo que não é essencial para a sua vida e seu desenvolvimento.
Esse aspecto de prisão
e morte se manifesta também em outro comportamento extremamente irritante que é
o da curiosidade mórbida, principalmente quando se refere aos processos do
inconsciente.
É sabido que durante o
processo de análise, muitos conteúdos precisam de tempo para se tornar
conscientes. Uma conscientização prematura pode atrapalhar todo o processo. Mas
um espírito espezinhador e inquisitivo toma conta da mulher se expressando em
uma curiosidade selvagem e a levando a fazer aquilo que é desnecessário.
Em A Interpretação dos
contos de fada, temos um quadro mais claro desse estado:
“Aqui também aparece o tema do perigo de uma
iluminação prematura. Não se pode querer saber intelectualmente tudo o que
ocorre na psique nem querer definir e categorizar a qualquer custo todos os
acontecimentos interiores; é preciso dobrar a própria curiosidade e
simplesmente esperar.
Somente uma pessoa forte é capaz de controlar a
própria impaciência e deixar o jogo se desenrolar sem olhar; por outro lado,
uma consciência mais fraca quer ler o sonho interpretado imediatamente, pois
teme a incerteza e a obscuridade da situação.”
O caráter de “homem
inferior” se deve ao fato da mulher ter ignorado o seu inconsciente e não
devido ao fato de ser feminina. Estudar, trabalhar e fazer atividades ligadass
ao que se costuma denominar “masculino” não garante que a mulher não será
dominada por essa figura do inconsciente.
O animus é o seu
inconsciente e aparece muitas vezes “contaminado” pela função inferior da
mulher. Portanto ele pede para ser ouvido, pois ele possui uma riqueza
inestimável que foi ignorada.
O que ele quer é
lealdade. Mas uma lealdade com os processos psíquicos. Ele quer vir para a
realidade, ele pede algo à mulher. Ele quer viver e a mulher deve reconhecê-lo
e permitir que ele viva na realidade.
Durante a primeira
parte da vida a mulher buscará com seu ego feminino suas realizações no mundo.
Sejam elas o casamento, a maternidade, o trabalho. Mas uma hora esse ego será
confrontado por essa figura, seu inconsciente lhe enviará o recado de que é
necessário ouvi-lo.
Se não houver esse
confronto o processo de individuação ficará bloqueado, e a ponte para o
inconsciente, representada por esse masculino será interditada. A vida se
tornará vazia e sem sentido.
Von Franz, em O caminho
dos sonhos exemplifica:
“O efeito da pressão do animus pode levar a mulher a uma
feminilidade mais profunda, fazendo com que ela aceite o fato de que está
possuída pelo animus e que
empreenda algo a fim de trazer o seu animus
para a realidade. Se ela lhe fornece um campo de ação — ou seja, se ela
assume algum campo de estudo em especial ou faz algum trabalho masculino — isto
pode mantê-lo. Ao mesmo tempo seu sentimento será revivificado e ela se voltará
às atividades femininas.”
Não me refiro aqui à
feminilidade estereotipada, até porque o feminino não se limita apenas a
maternidade e a maternagem, mas a uma grandeza de sentimentos. Devido às
oscilações hormonais, o feminino sempre possuiu uma sabedoria e uma compreensão
do corpo que o masculino não compreende. A mulher sempre esteve em um contato
maior com o irracional e com as emoções do que o homem.
Esse campo de ação é
muitas vezes uma atividade que Jung definia como atividade do espírito. É comum
as mulheres nesse momento crucial de embate com o inconsciente voltarem a
estudar, por exemplo. No meu caso, me voltei para a escrita e a colocação dos
meus pensamentos na realidade, para dar forma ao espírito que habita meu
inconsciente.
O grande perigo, em
qualquer situação vinda do inconsciente, é não reconhecer essa realidade. O não
reconhecimento do animus implica em
domínio da consciência e despersonalização da mulher. Ela deixa de ser ela
mesma.
Quando há esse
reconhecimento e a mulher o deixa participar do seu mundo dando a possibilidade
consciente de expressão na realidade, a possessão acaba e o animus pode tornar-se um companheiro
interior precioso que vai contemplá-la com uma série de qualidades masculinas
como a iniciativa, a coragem, objetividade e a sabedoria espiritual.
Não que a mulher não
possua essas qualidades em si. Mas essas qualidades irão se manifestar de forma
mais assertiva, sem trazer os transtornos decorrentes da inconsciência.
A mulher passa a deixar
a vida fluir e passa a ter confiança no processo da vida. Essa autoconfiança
passa refletir em sua personalidade e ela se torna um exemplo para os outros
devido a sua sabedoria, sem a “verborragia” anterior causada por sua possessão,
mas com uma sabedoria que transcende as palavras.
Não é processo fácil.
Pelo contrário, ele é um processo doloroso que exige sacrifício. A mulher deve
sacrificar sua necessidade de controle, suas opiniões e convicções. Somente
quando o ego reconhece que existe uma força superior a si é que ele pode entrar
em contato com seu inconsciente e permitir que a vida flua. Assim, no caso
especifico da mulher, o animus pode fazer seu papel de psicopompo trazendo ao
ego as informações necessárias para o seu desenvolvimento.
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Hermes - Deus grego psicopompo |
A mulher, então, se
torna receptiva as ideias criativas e empreendedoras de seu lado masculino. Ela
terá audácia para novos empreendimentos que nem imaginava anteriormente em sua
vida. Uma coragem tranquila e segura fará parte de sua personalidade, sem
querer mais impor sua vontade ao mundo e aos outros. Ela simplesmente sabe que
será amparada e que está de acordo com o fluxo da vida. É ai que reside a sua
profundidade espiritual.
Em A interpretação dos
contos de fada, Von Franz aponta uma saída para o confronto com o animus:
“Quando uma
pessoa com uma consciência desenvolvida sente que o animus nela contido está pleno de uma atividade muito
significativa, é inútil tentar fugir ou mesmo procurar compreender
intelectualmente o seu significado. Ao invés disso, a pessoa deveria usar a
energia proveniente do animus de
uma maneira adequada, empreendendo alguma atividade masculina, tal como o
trabalho intelectual criativo; se assim não for, a pessoa é dominada e possuída
pelo animus.”
Ela se torna enfim
flexível, suas opiniões não são mais absolutas. Ela compreende que não há
certezas na vida, ela começa a questionar o que anteriormente ela tomava com
verdade absoluta. Suas bases são abaladas.
É nesse momento que se
torna apta a aceitar e a bancar a sua subjetividade sendo capaz de receber as
manifestações do Self e acolhe-las,
pois seu animus agora é capaz de auxiliá-la na compreensão dessas manifestações
e do sentido de sua existência.
Bibliografia
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C. G. O eu e o Inconsciente, 21 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
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VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. São Paulo: Paulus, 2005.
VON FRANZ, M. L; BOA, F. O caminho dos sonhos. São Paulo: Cultrix, 1988.
Olá Hellen, estou lendo seu blog, estou gostando muito. Esta questão da possesão do animus na mulher, cegando-a, afastando o interesse sexual ao seu sexo oposto, pergunto, com toda essa confusão psicológica, a mulher possesa pode querer buscar seu mesmo sexo para suprir as necessidades sexuais do seu organismo??
ResponderExcluirObrigada Julio, fico feliz que está gostando do Blog. Quanto a sua pergunta é difícil generalizar, pois cada caso é um caso. Mas pode acontecer sim. Mas como eu disse, cada caso é um caso e não podemos afirmar que a busca pelo mesmo sexo é sempre causada pela possessão pelo animus.
ExcluirTem toda razão Hellen, grato pela resposta!
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