Iansã e o domar das emoções
Por: Hellen Reis Mourão
Iansã ou Oya é
um Orixá muito famoso e popular no Brasil.
Oya-Iansã foi mulher
de Xangô, juntamente com Obá e Oxum.
É a deusa das
tempestades e dos relâmpagos. Rege os ventos, o fogo e as paixões.
Iansã é saudada
como a deusa do rio Níger. E mesmo estando relacionada à água pelo rio e pela
tempestade, ela também está relacionada com o fogo e com o ar (furacões,
ventania). Isto indica a união de elementos contraditórios e conflitantes, o que
vai influenciar diretamente a personalidade da deusa.
Domina o mundo dos
mortos (Eguns), sendo o único orixá capaz de enfrentá-los e dominá-los. Para
isso utiliza um instrumento litúrgico chamado Eruexim, uma chibata feita de
rabo de um cavalo atado a um cabo de osso, madeira ou metal.
No Brasil foi sincretizada
com Santa Bárbara.
Oya é uma Orixá
guerreira. Representante da força feminina e das mulheres que querem se firmar
em um mundo masculino. Seu temperamento é ardente, impetuoso e transgressor. E
essa tendência transgressora lhe permitiu ampliar ainda seus conhecimentos. Em
Orixás, de Pierre Verger:
“Conta uma lenda
que Xangô enviou-a em missão na terra dos baribas, a fim de buscar um preparado
que, uma vez ingerido, lhe permitiria lançar fogo e chamas pela boca e pelo
nariz. Oya, desobedecendo às instruções do esposo, experimentou esse preparado,
tornando-se também capaz de cuspir fogo, para grande desgosto de Xangô, que
desejava guardar só para si esse terrível poder.”
Seus seguidores
a saúdam gritando: “Epa Hey Oya!”.
Representante da
sensualidade desenfreada e das paixões avassaladoras, seus sentimentos são
intensos. Não há meio termo com ela, ama e odeia com a mesma intensidade. Demonstrando
seu amor e alegria da mesma forma desmedida com que exterioriza sua cólera.
Iansã, apesar de
ser feminina e vaidosa se aproxima mais dos terrenos consagrados
tradicionalmente ao homem. Em sua mitologia está sempre presente em campos de
batalha e em caminhos onde riscos e aventuras se misturam.
Enfim, não é o
feminino apregoado pela cultura vigente. Não aprecia afazeres domésticos, e
está sempre longe do lar.
Mesmo assim, é
extremamente sensual e fogosa. Tendo muitos amores e verdadeiramente se
apaixonando por eles (ela foi casada com quase todos os Orixás, adquirindo seus
poderes com eles). Todavia, a fidelidade dela não está necessariamente
relacionada a um homem, mas às suas convicções e aos seus princípios.
Em uma de suas
lendas, Iansã usava uma pele de búfalo, relacionando a deusa com antigos cultos
agrários africanos ligados à fecundidade. Os chifres de búfalo, um de seus
símbolos a liga à virilidade e à caça.
Em suas lendas,
Iansã não é dada a picuinhas, mostrando que nada nela é medíocre ou discreto.
Iansã é aquela
mulher que quer um homem ao seu lado para ser seu companheiro e não para
dominá-la, nem sustentá-la.
Enquanto figura
arquetípica Iansã revela-se cheia de nuances.
Ela pode ser
associada à grega Afrodite, a suméria Inanna e a romana Vênus, enquanto deusa
das paixões, do erotismo e do arrebatamento. Lembrando que Afrodite, assim como
Iansã não possui pudores, sendo fiel ao principio do amor e da paixão.
Enquanto deusa
ctônica e senhora dos mortos, tece paralelos com a grega Perséfone e com a
suméria Ereshkigal.
Perséfone era
responsável por receber os mortos e encaminhá-los, assim como Iansã, que
juntamente com Obaluaye servia de guia para as almas.
Isso confere um
caráter de psicopompo a Iansã, ou seja, de guia para as almas.
Em seu aspecto
guerreiro, Iansã se aproxima da hindu Durga, que é uma Deusa Guerreira, por
excelência.
A Grande Durga é
extremamente bela, nascida da fusão da cólera de todos os deuses. Em alguns
contos, possui 8 braços, em outros, 10, 12 ou até 18. Sempre segurando armas
sagradas e realizando mudrás (gestos simbólicos com as mãos), montada em um
leão, ou tigre, feroz.
Assim como Iansã
é representada com a cor vermelha, que simboliza movimento, ação, fogo,
destruição, sexualidade.
Iansã, assim
como Durga e suas armas, com sua espada está sempre em prontidão para combater
o mal e a dominar os aspectos sombrios da psique.
Durga matou o
búfalo-demônio Mahishasura, outra ligação com Iansã, que utilizava pele de
búfalo para se disfarçar.
O búfalo
simboliza o aspecto viril, instintivo e combativo, representa também o elemento
terra, sendo dominado pelo feminino.
Além disso,
Durga aparece representada montada em um leão ou um tigre. Iansã também se liga
ao leão, por meio de Xangô, que foi seu marido.
Essa ligação com
as feras, como o leão, remete ao simbolismo do arcano 11 do tarô, a Força.
E aqui o
arquétipo de Oya-Iansã pode ser aprofundado e melhor compreendido.
Essa lâmina do
tarô apresenta uma mulher abrindo, com as duas mãos, as mandíbulas de um leão, tem
como significado o domínio sobre as emoções instintivas, poderosas e selvagens.
Note que a dama não mata o leão, ela o doma; portanto
o simbolismo consiste em não desprezar o inferior, em não aniquilar o que é
bestial, destrutivo, mas sim aprender a utilizá-lo.
A dama faz isso,
de modo a conter a fera preservando o instinto criativo e instintivo presente
no leão. O leão é um animal ligado a realeza, é o rei dos animais. E representa
um aspecto infantilizado da psique, o egocentrismo, o “eu primeiro”,
extremamente destrutivo se mal canalizado.
Essa carta,
então representa a coragem e a disciplina necessárias para dominar a raiva e
usá-la a seu favor.
Para concluirmos
esse estudo, Oya-Iansã, então representa a energia criativa do feminino. Ela
destrói, por meio dos raios, para criar nova vida. Remetendo a outra lâmina do
taro, o Arcano 16, A Torre.
Energia que rompe
padrões pré-estabelecidos. Quando a estrutura egóica está ultrapassada e
cristalizada.
Iansã, em termos
arquetípicos, representa também a perda do controle, por isso ela é considerada
o Orixá do arrebatamento.
A paixão nos
toma como um relâmpago, com a força de um furacão e retira o chão de nossos
pés. O ego perde totalmente seu controle. A paixão é experimentada como uma
morte do ego.
A perda do
controle, por meio de uma paixão por alguém, ou por algo, ou por um ideal, é um
baque para o ego, que muitas vezes se amedronta e foge. Entretanto, tão
necessária para o processo de individuação.
Iansã é a quebra
dos limites impostos pelas normas, que impedem o desenvolvimento da psique. Ela
avança, de forma dinâmica, em direção aos aspectos regressivos, trazendo a uma
nova vida aquilo que estava morto.
Esse arquétipo,
quando constelado, pode trazer a coragem para quebrar paradigmas e romper com
limites já desgastados.
Pode ser
conflitante e estranho o fato da deusa das paixões ser a que doma os instintos,
mas somente um encontro genuíno e franco com esse aspecto instintivo pode levar
a um entendimento e compreensão dessas forças. O que remete a frase de Carl
Jung “O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não as supera.”
Iansã, portanto,
quando constelada, nos ajuda a atravessar nossas paixões, mantendo a lealdade a
nós mesmos, levando-nos assim a alcançar a sabedoria e a força de nosso
guerreiro interior.
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