A Solutio nos contos de fadas

Por: Hellen Reis Mourão 
Na alquimia, ou opus alquímica, a prima matéria deve ser submetida a uma série de operações químicas a fim de transformá-la na Pedra Filosofal.
Uma dessas operações alquímicas a qual a prima matéria pode ser submetida é a Solutio.
A Solutio está ligada ao elemento água e consiste em transformar um sólido em um liquido. O sólido então se dissolve, se desmancha no liquido, sendo por ele engolido.

A água era então considerada como útero, e a Solutio, em termos psicológicos, um retorno ao útero, configurando uma regressão da libido (antes investida no ego) ao inconsciente, para fins de purificação e renascimento.
Psicologicamente trata-se de um retorno a matriz, que simboliza o inicio e fim da vida, para que aspectos endurecidos na nossa personalidade, que não aceitam mudanças, “desmanchem” e suavizem. Ela então simboliza aquilo que Carl Jung denominou de regressão da libido.
Esse é um estado pré-consciente, onde o ego se encontra simbolicamente como um feto na barriga da mãe, por isso representa o renascimento. Essa experiência aparece nos textos alquímicos, narrada tanto de forma agradável como de forma desagradável.
O ego imaturo acha essa sensação prazerosa e pode ficar preso, rendido, o que é perigoso e posteriormente gera muita ansiedade.
Essa operação simboliza um desejo de dissolução. O perigo é que a autonomia do ego, conquistada a duras penas, fica dissolvida e presa nesse “útero” simbólico.
Isso pode se manifestar nos estados de nostalgia e saudades (como forma mais branda), ao desejo de união mística até o desejo de inconsciência do alcoólico.
Um desejo de aniquilamento e de autodissolução é comum a todos os seres humanos, mas quando se mantém por tempo demasiado acaba sendo destrutivo. No aspecto negativo pode levar a neurose e a psicose; ou até a morte. Porém, a favor do processo de individuação, sendo temporária ela leva a renovação psicológica e a um renascimento psicológico.
A Solutio tem um duplo efeito: o desaparecimento de uma forma e o surgimento de uma forma regenerada, por essa razão o batismo é um símbolo da Solutio.
Portanto, do lado positivo, aspectos nossos que não se encontram em consonância com o Self podem morrer e renascer de forma rejuvenescida na Solutio.
Na Mitologia grega a deusa Afrodite, tem uma ligação especial com a água, pois ela nasce da espuma do mar. Por essa razão o amor pode ser um poderoso agente de Solutio. Os perigos da Solutio também aparecem representados na mitologia pelas ninfas e as sereias, que atraem os homens com o seu canto levando-os ao afogamento.

Como a Alquimia trata de processos do inconsciente coletivo, podemos observar o os símbolos alquímicos também nos contos de fadas.
No conto A Bela e a Fera, a heroína após conviver com a Fera durante um tempo começa a ter saudades da casa de origem e assim pede ao amado para visitar o pai e as irmãs. Esse lar de origem e essa saudade, representam a regressão da libido, que vai do ego diferenciado ao inconsciente original.
Esse impulso de retorno a família de origem, ou seja, ao estado indiferenciado do ego, que a heroína empreende tem como objetivo um renascimento no confronto com aspectos sombrios (as irmãs) que dificultam o processo de individuação e a relação ego – Self. O ego precisa passar por essa “limpeza” – simbolizada pela Solutio - de conteúdos que não servem mais para o desenvolvimento do individuo.
Outro conto que mostra a regressão é A Bela Adormecida. Ao cair no sono da morte, a princesa e toda a corte retornam ao estado indiferenciado que o sono representa (Sim nós realizamos a Solutio todos os dias quando dormimos).

No conto dos Grimm intitulado, O velho Rinkrank, a princesa cai em uma armadilha criada por seu pai, para seus pretendentes: ela acaba sendo confinada no interior de uma montanha de vidro.
A montanha costuma representar o útero materno. No conto a heroína não tem mãe, só o pai, o que constitui um complexo paterno, e ao ser confinada de modo regressivo no interior do vaso alquímico, ela entra na Solutio para uma posterior transformação
Em outro conto de Grimm denominado A Princesa Enfeitiçada, o herói precisa seguir a princesa, que todas as noites voa ao interior de uma montanha para se encontrar com o espírito que nela vive.
O herói então precisa entrar no interior da caverna para salvar a sua anima, que está enfeitiçada. Esse é um movimento regressivo, que o ego empreende para redimir aspectos contaminados da psique.
A Solutio está associada à função sentimento.
Essa função nos da o valor as coisas e também o autovalor. É uma função de apreciação e que rege os relacionamentos, uma vez que ela mostra se gosto ou não de algo ou alguém e até onde posso ir sem que atinja a minha auto-estima.
Por isso a Solutio se liga ao principio de Eros, pois é ele quem promove a união e o significado que o sentimento traz quando apreciamos alguém.
Por essa razão vemos no Mito Eros e Psique que a heroína também cai no sono da morte, na dissolução, no inconsciente, para que ocorra a redenção do amado. Pois no amor existe o desejo de se dissolver e ser contido pelo ser amado.
O estar apaixonado leva a uma dissolução do ego nos sentimentos. Perdemos o limite do que é o sujeito e o objeto. Por essa razão vemos que os casais apaixonados passam a se comportar, inconscientemente, de forma semelhante.
O sentimento é uma função de apreciação, por isso, o gostar, o apreciar alguém pode dissolver vários complexos. O gostar nos faz “derreter” por alguém.
Portanto, nos contos de fadas vemos essa operação alquímica como criativa e transformadora. Existe perigo nessa jornada? Sim! O perigo de se perder no outro e o de não querer assumir responsabilidades e encarar a realidade da vida.
Mas no aspecto positivo saímos renovados, transformados e rejuvenescidos.





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Iansã e o domar das emoções

A Anima

Carl Jung e PNL: A congruência no processo de individuação