O Corvo – Conto dos irmãos Grimm
Por: Hellen Reis Mourão
Houve, uma vez, uma rainha cuja
filhinha pequena, ainda de colo, era impertinente até não se aguentar. Certo
dia, a menina estava tão mal humorada que era impossível aturá-la; a mãe lançou
meio de todos os recursos para acalmá-la, mas em vão.
Querendo distraí-la, a rainha abriu a
janela e, vendo alguns corvos esvoaçando em volta do castelo, disse, num assomo
de impaciência:
- Gostaria que fosses um corvo, pelo
menos estarias voando e brincando lá com os outros e me deixarias em paz. Mal
acabou de pronunciar essas palavras, eis que a menina se transformou,
subitamente, num corvo e saiu dos braços da mãe pondo-se a voar pela janela
fora. Foi voando diretamente para a floresta, onde ficou durante muito tempo e
seus pais nada mais souberam dela. Passados alguns anos, certo dia um jovem
atravessava a floresta e, de repente, ouviu uma voz; olhou para todos os lados
sem descobrir ninguém. A voz tornou a fazer-se ouvir, então olhando naquela
direção, viu, pouco distante, um corvo e compreendeu que era ele quem estava
falando.
- Escuta, meu jovem, - dizia o corvo; -
eu sou filha de um rei e alguém me encantou, transformando-me em corvo. Tu, se
quisesses, poderias libertar-me!
- E que devo fazer para isso? -
perguntou o jovem.
- Continua andando sempre para diante
na floresta; lá ao longe, encontrarás uma casinha habitada por uma velha. Ao
chegares lá, ela te virá ao encontro e te oferecerá de comer e beber, mas nada
aceites; pois, se comeres ou beberes alguma coisa, cairás em sono profundo e
perderás a oportunidade de me libertar. No jardim atrás da casa, há um
montículo de tufo, senta-te lá em cima e fica esperando por mim. Durante três
dias, às duas horas da tarde, chegarei numa carruagem. No primeiro dia, a
carruagem virá puxada por quatro cavalos brancos; no segundo dia, por quatro
cavalos alazões, e no terceiro dia, por quatro cavalos negros. Porém, se não
estiverdes acordado e eu te encontrar dormindo, não me poderei libertar.
O jovem prometeu fazer tudo quanto ela
lhe pedia, mas, ao despedir-se, o corvo disse, suspirando:
- Prevejo que não me libertarás;
acabarás por aceitar qualquer coisa da velha e cairás em sono pesado!
O jovem protestou, dizendo que nada
aceitaria e, mais uma vez, reiterou promessa de ajudá-la. Mas quando chegou à
casa indicada, saiu de dentro a velhinha, dizendo:
- Ah, pobre homem! Como estás
esfalfado! Descansa um pouco e come alguma coisa para refazer as forças.
- Não, - disse o homem, - não quero
comer nem beber nada.
A velha, porém, insistiu com muita
habilidade até que, sem jeito de continuar recusando, o homem aceitou um gole
de bebida. Depois agradeceu e foi postar-se no monte de tufo a fim de aguardar
a chegada do corvo. Assim que sentou, foi tomado de tal canseira que teve de
deitar-se um pouco para descansar, mas com a firme intenção de não se deixar
vencer pelo sono. Os olhos, porém, logo se lhe fecharam e ele caiu em sono tão
pesado que nada deste mundo conseguiria acordá-lo. Às duas horas em ponto,
chegou o corvo, na bela carruagem puxada por quatro cavalos brancos, mas vinha
muito triste, dizendo para si mesmo: eu sei que o encontrarei dormindo! De
fato, quando chegou ao jardim viu que ele estava dormindo realmente. Então,
desceu da carruagem e, aproximando-se dele, sacudiu-o várias vezes, chamando-o
em voz alta, mas em vão; o homem não acordou.
No dia seguinte, ao meio-dia, a velha
foi levar-lhe comida e bebida mas ele não queria aceitar nada; contudo, a velha
tanto fez e tanto disse que ele acabou por beber um pouco do copo que ela lhe
apresentava. Por volta das duas horas, ele dirigiu-se ao monte de tufo no
jardim a fim de aguardar o corvo; mas, também dessa vez, a canseira era tão
grande que não conseguia ficar de pé, obrigando-o a deitar-se. Imediatamente, ferrou
em sono profundo. As duas horas, chegou o corvo na carruagem puxada por quatro
cavalos alazões; vinha tristonho, pois sabia que o encontraria dormindo. Desceu
da carruagem e tentou despertá-lo; chamou-o, sacudiu-o, em vão; nada o
despertava.
No dia seguinte, a velha censurou-o
porque não queria comer nem beber, dizendo:
- Onde já se viu, passar tanto tempo
sem comer nem beber! Quer por acaso morrer?
O homem continuava a recusar tudo; a
velha, porém, colocou em frente um prato bem cheio de comida e um copo de
vinho; ao sentir aroma tão apetitoso, o homem não resistiu e bebeu um gole de
vinho. Em seguida, foi ao jardim a fim de aguardar a princesa encantada; mas
sentiu ainda maior cansaço que nos dias precedentes; então, deitou-se um pouco
e não tardou a adormecer como uma pedra. As duas horas, chegou o corvo na
carruagem puxada por quatro cavalos pretos; desceu dela e fez o impossível para
despertá-lo; sacudiu-o, chamou-o, inutilmente. Então, colocou junto dele um
pão, um pedaço de carne e uma garrafa de vinho, que tinham a propriedade de
nunca acabar. Depois, enfiou-lhe no dedo um anel, dentro do qual havia o seu
nome gravado e, por último, deixou-lhe uma carta, explicando direitinho tudo o
que lhe deixava e tudo o que havia acontecido, dizendo mais: "vejo bem que
aqui não és capuz de me libertar; contudo, se desejas realmente fazê-lo, vem
ter comigo no castelo de ouro de Stromberg. Podes bem fazê-lo, eu sei com toda
a certeza." Em seguida, voltou para a carruagem coberta de luto e rumou,
velozmente, para o castelo de ouro de Stromberg. Assim que acordou, percebendo
que dormira bastante, o jovem ficou extremamente aflito e murmurou:
- Certamente ela já passou por aqui e
deve ter ficado aborrecida, pois não a libertei!
Nisso, caiu-lhe sob o olhar as coisas aí
deixadas; pegou imediatamente na carta e leu o que continha; assim ficou
sabendo o que acontecera e, também, o que ainda podia fazer. Levantou-se
depressa e pôs-se a caminho em procura do castelo de ouro, embora não sabendo
onde o mesmo se situasse. Já havia corrido mundo a valer, quando chegou a uma
floresta muito densa; vagueou por ela durante quinze dias sem encontrar o
caminho de saída. Uma tarde, em que as sombras da noite baixavam mui
rapidamente, deixou-se cair junto de uns arbustos, para descansar, pois já não
podia mais de tão cansado, e não tardou a adormecer. Pela manhã do dia
seguinte, continuou a perambular e, ao anoitecer, quis novamente deitar-se ao
pé de uma moita para descansar e dali a pouco ouviu gemidos e lamentos tão
altos que o impediram de dormir. Na hora em que é costume acenderem-se as
luzes, ele viu uma luzinha brilhando não muito distante; levantou-se depressa e
dirigiu-se em sua direção. Andou um pouco e chegou a uma grande casa que, de
longe, porém, parecia pequena, porque estava meio escondida atrás de um
gigante. O jovem estacou, pensando: "Se entras e o gigante te descobre, és
um homem liquidado!" Todavia, armando-se de coragem, foi-se aproximando.
Assim que o gigante o viu, gritou:
- Oh, chegas em boa hora; já faz muito
tempo que não como nada! Vou engulir-te já como jantar.
- Deixa disso, - respondeu o jovem, -
não gosto de ser engolido; se queres comer tenho aqui o bastante para te
satisfazer o apetite.
- Se é verdade o que dizes, então podes
ficar sossegado que não te comerei; falei em engolir-te porque estou com muita
fome e nada tenho para comer.
Sentaram-se à mesa e o homem pôs-se a
servir pão, carne e vinho até não acabar mais.
- Gosto muito disto, - disse o gigante,
e comeu à vontade. Daí a pouco o jovem perguntou:
- Podes indicar-me onde fica o castelo
de ouro de Stromberg?
- Vou procurar no mapa que tem todas as
cidades, aldeias e casas. Foi ao quarto buscar o mapa e procurou o castelo, mas
não constava.
- Não importa, - disse o gigante, -
tenho outros mapas mais completos lá no armário; talvez encontremos o que
procuras.
Procuraram inutilmente, o castelo não
constava. O homem queria continuar o caminho, mas o gigante pediu- lhe que
esperasse ainda alguns dias, até seu irmão voltar; não demoraria, fora aí por
perto em busca de víveres.
Quando o irmão do gigante voltou,
perguntaram-lhe se sabia onde ficava o tal castelo; ele respondeu:
- Depois do almoço, quando matar a
fome, procurarei no mapa.
Mais tarde subiram os três ao quarto do segundo gigante e procuraram em todos os mapas aí existentes, em todos os velhos papéis, e tanto procuraram que acabaram por descobrir o castelo de Stromberg. Mas ficava a muitas e muitas milhas de distância.
Mais tarde subiram os três ao quarto do segundo gigante e procuraram em todos os mapas aí existentes, em todos os velhos papéis, e tanto procuraram que acabaram por descobrir o castelo de Stromberg. Mas ficava a muitas e muitas milhas de distância.
- Ah, - disse tristemente o jovem, -
como poderei chegar lá?
- Eu tenho duas horas de tempo
disponíveis, - disse o gigante, - posso levar-te só até às vizinhanças, porque
preciso estar de volta logo para amamentar o menino que temos.
Assim fizeram. O gigante levou-o até um
lugar que ficava a duzentas horas do castelo, dizendo que o resto do caminho
podia fazê-lo sozinho. Com isso voltou, e o homem continuou a andar dia e noite
até que por fim chegou ao castelo de ouro de Stromberg. O castelo porém, fora
construído sobre uma montanha toda de vidro. A princesa encantada tivera de
percorrer, em volta, toda a montanha até poder entrar. O homem ficou muito
contente vendo-a lá e queria subir até ela, mas, cada vez que tentava subir,
tornava a deslizar pelo vidro abaixo. E, vendo que não o conseguia, pensou
consigo mesmo: "ficarei esperando por ela aqui em baixo." Então,
construiu uma pequena cabana e ficou aí um ano inteiro; todos os dias avistava
a princesa passeando de carruagem no alto da montanha, mas ele não podia ir ter
com ela. Certo dia, estando na choupana, viu três bandidos brigando e se
esmurrando; então gritou-lhes:
- Deus esteja convosco!
Ao ouvir esse grito os bandidos
estacaram, olhando de um lado para outro, mas, não vendo ninguém, recomeçaram a
esmurrar-se com mais vigor. O homem gritou pela segunda vez:
- Deus esteja convosco!
Os bandidos tornaram a olhar em volta,
mas, não vendo ninguém, voltaram à luta. O homem gritou pela terceira vez:
- Deus esteja convosco! - pensando:
"vai lá ver por que é que estão se esmurrando."
Foi e perguntou aos bandidos a razão
daquela luta; então um deles disse que tinha achado um pau que tinha o poder de
abrir qualquer porta em que batesse. O segundo disse que tinha achado um capote
e quem o vestisse se tornaria invisível, e o terceiro disse que tinha achado um
cavalo com o qual era possível ir a qualquer lugar, mesmo ao cimo da montanha
de vidro. E agora estavam brigando porque não chegavam a um acordo: não sabiam
se ficar com os objetos em comum, ou reparti-los e cada qual ir-se com o seu
achado. O homem então propôs:
- Eu quero fazer uma troca com esses
objetos; dinheiro, na verdade, não tenho; mas possuo algo que vale muito mais.
Antes porém, quero experimentar se o que dissestes é realmente certo.
Os três bandidos aceitaram a proposta.
Deixaram- no montar no cavalo, vestiram-lhe o capote e puseram-lhe na mão o
pau; de posse de tudo isso, o homem tornou-se invisível; então pegou no pau e
espancou valentemente os três bandidos, gritando: - Ai tendes o que mereceis,
seus vagabundos! Estais satisfeitos?
E saiu a correr pela montanha acima;
quando chegou ao alto, encontrou o portão do castelo fechado; bateu-lhe com o
pau e logo ele se escancarou. Entrou e subiu as escudas indo até onde se encontrava
a princesa, que estava sentada numa sala, tendo em frente uma taça de ouro
cheia de vinho. Como, porém, ele estivesse com o capote mágico que o tornava
invisível, ela não podia vê-lo; por isso, chegando à sua presença, o homem
tirou do dedo o anel que ela lhe dera e atirou-o dentro da taça, que tilintou.
A princesa exclamou alegremente:
- O meu anel!... O jovem que me vem
libertar deve estar aí!
Correu a procurá-lo por todo o castelo
sem conseguir encontrá-lo. Ele saira do castelo e, montando no cavalo, despira
o capote. Quando a princesa foi lá fora deu com ele e ficou radiante de
alegria.
Descendo do cavalo, o jovem tomou a
princesa nos braços e ela beijou-o muito feliz, dizendo:
- Agora me libertaste do encanto; amanhã
realizaremos nosso casamento.
Esse
conto mostra o motivo de redenção da princesa de sua forma animal, mostra também o
tema do sono paralisante, mas sendo aqui o masculino que dorme e como atua o
complexo materno negativo na psique feminina e masculina.
Vou
iniciar a análise do conto com a questão do complexo materno negativo.
Conforme
Jung (2008) o arquétipo materno é a base do chamado complexo materno.
Nos
contos de fadas vemos os arquétipos em sua forma mais concisa e pura (Von
Franz, 2005). Por essa razão temos nas bruxas, madrastas e mães terríveis o
lado negativo do arquétipo materno.
No
inicio do conto é a própria mãe que usa enfeitiça a filha. A mãe profere as
palavras e a transformação ocorre.
Em
termos pessoais, vemos manifesto na psique da mulher um complexo materno
negativo.
Essa
mulher então desenvolverá uma defesa muito forte contra tudo o que é materno.
Confome
Jung (2008):
“Todos os
processos e necessidades instintivos encontram dificuldades inesperadas; a
sexualidade não funciona ou os filhos não são bem-vindos, ou os deveres
maternos lhe parecem insuportáveis, ou ainda as exigências da vida conjugal são
recebidas com irritação e impaciência.”
Vê-se
no inicio do conto que a rainha tem dificuldade na questão maternal. Ela não
consegue agüentar impertinência infantil. Seu instinto materno é ferido.
E
a mulher com esse lado ferido irá passar isso para sua filhinha, como forma de
maldição. Ela não reconhece seu valor enquanto mulher e acaba transmitindo isso
para a filha.
A
maldição é que esse tipo de mulher precisa de uma grande quantidade de calor e
atenção, que não encontraram como convinham em suas mães. Elas são suscetíveis
e se sentem e constante estado de estarem sendo abandonadas.
A
maior dificuldade está em superar a ferida e o ressentimento.
Carl
Jung (2008) ressalta que ela casar-se por acaso, seu casamento serve apenas
para livrar-se da mãe ou então o destino lhe impinge um marido com traços de
caráter semelhantes ao da mãe.
O
conto então mostra como a mulher com complexo materno negativo pode atravessar
uma jornada iniciática e desenvolver sua personalidade entrar em um
relacionamento de forma mais plena e inteira.
Esse
aspecto negativo do arquétipo materno irá reaparecer no conto na forma da velha
que lança o feitiço do sono no rapaz.
Rainha
e velha mostram o aspecto sombrio do feminino. O aspecto imperfeito da mãe
natureza negligenciado pela consciência coletiva e que refletem nas mães
pessoais.
O
rapaz também possui um complexo materno que o deixa paralisado em sua
masculinidade e ação.
Esse
conto então mostra uma iniciação dupla, pois ambos caem em maldição. A princesa
que procurou seu salvador também terá de salvá-lo. Esse conto mostra tanto uma
jornada feminina, quanto uma masculina que também está amaldiçoada.
Aqui
anima e animus se encontram também sob os domínios do arquétipo sombrio da mãe.
Sobre
o corvo é interessante ressaltar que se trata de um animal que simboliza a
morte, a solidão, o azar, o mau presságio. Mas, pode simbolizar a astúcia, a
cura, a sabedoria, a fertilidade, a esperança. Essa ave está associada ao
profano, à magia, à bruxaria e à metamorfose.
Vemos
aqui um simbolismo profano e pagão que foi reprimido pelo cristianismo. A bruxaria
e a magia na verdade se tratavam de um conhecimento da terra e não do alto; o
conhecimento das ervas e dos elementos.
Na
verdade o corvo sempre teve uma conotação positiva para as tradições da
antiguidade. O cristianismo foi um dos propulsores da acepção negativa atribuída
ao corvo e, atualmente, espalhada pelo mundo. Desde então, para esse animal
necrófago (que se alimenta de carne putrefata) é considerado como mensageiro da
morte e então associado ao mal.
Isso
mostra a maturidade do Ocidental cristão diante da morte.
Na
Mitologia Grega, o corvo era consagrado a Apolo, e para eles essas aves
desempenhavam o papel de mensageiro dos deuses visto que possuíam funções
proféticas. Por esse motivo, esse animal simbolizava a luz uma vez que para os
gregos, o corvo era capaz de conjurar a má sorte.
Na
Mitologia Nórdica, encontramos o corvo como o companheiro de Odin (Wotan), deus
da sabedoria, da poesia, da magia, da guerra e da morte. Na Mitologia
Escandinava, dois corvos aparecem empoleirados no Trono de Odin:
"Hugin" que simboliza o espírito, enquanto "Munnin"
representa a memória; e juntos simbolizam o princípio da criação.
Toda
essa sabedoria foi perdida com o desenvolvimento de nosso lado racional,
intelectual, pois com o advento do Cristianismo o homem moderno passou a ter
uma atitude bastante infantil diante do mal, do feminino e da morte. Reprimimos
nossa intuição e passamos a desconhecer os ciclos da vida, onde a morte e a
putrefação o corpo ocorrem.
Além
disso, na Índia, a caça ao corvo é proibida, já que essa ave representa a alma
dos mortos, e dar de comer a um corvo significa alimentar os antepassados (Paz,
1995). Sozinha então a princesa, carrega em si a alma de seus antepassados,
fazendo não apenas uma redenção pessoal, mas uma coletiva e familiar.
Ela
pede ajuda a um jovem (animus) que enfrenta a velha (arquétipo materno
negativo.
Pois,
bem para ajudar a princesa ele deve ir à casa da velha e não comer nada durante
a estadia lá. Mas ele falha e por três vezes a princesa parece e ele está
dormindo.
Ela
prevê que isso iria ocorrer e mesmo assim continua sua jornada, sabendo que a
falha dele faz parte de sua iniciação e redenção.
Essa
é uma compreensão difícil para um ego imaturo. Queremos resultados rápidos e
instantâneos e temos pouca consideração pela falha, principalmente quando se
trata de relacionamentos.
Saber
que se está no caminho certo, mesmo diante de obstáculos e desafios e mesmo
assim manter a integridade e a certeza é um empreendimento para poucos.
Ela
chega a primeira vez com uma carruagem com quatro cavalos brancos, depois com cavalos
alazões (avermelhado) e por fim com cavalos pretos.
Temos
aqui alusões a uma transformação alquímica que ocorre com o sono do jovem.
O
numero quatro para Jung está associado a totalidade. O cavalo está associado ao
instinto sexual, libido. Suas acepções simbólicas são provenientes de figuras
lunares, em que associa a Terra ao seu papel de mãe suprema, e à Lua, por isso
relaciona-se com a vegetação, as renovações cíclicas, a sexualidade, os sonhos
e as adivinhações.
O
branco, o vermelho e o preto fazem uma alusão as fases alquímicas denominadas: albedo,
rubedo e nigredo.
A
Albedo é um estado de paz, paradisíaco, de inocência. Simboliza a purificação.
No entanto, esse estado não é passível de durar, pois é irreal. Representa a
brancura, o clareamento, o entendimento, o conhecimento, a tranqüilidade. Mas
essa fase não deve durar para sempre, ela deve ser colorida por outra cor, para
incitar vida.
A
Rubedo é a fase do vermelho, que significa vida, paixão e fogo. É a libido em atuação
plena. Simboliza a iluminação, pois passar pelo fogo é deixar queimar as
escórias que ainda existem.
A
Nigredo significa a ignorância e o acordar, bem como as fases críticas, como
nascimento e morte, ou as transformações que o corpo sofre na transição entre a
infância e a adolescência e, ou deste a jovem e daí à clássica crise dos
quarenta ou à velhice. Psicologicamente está associada à morte, mas a morte das
ilusões egóicas. Durante vidas nos identificamos a uma infinidade de conceitos
e costumamos tomá-los como verdade absoluta; rígida e estática. Na Nigredo há a
morte desses apegos ilusórios e padrões que já não nos servem mais.
Isso
significa que a consciência entra então na Nigredo, na noite escura da alma.
A
moca deixa para o rapaz uma garrafa de vinho, um pedaço de pão e carne. E lhe
escreve dizendo que esse alimento era inesgotável. Esta parece ser uma alusão
ao mito de Cristo e a Santa Ceia, onde comemos o pão e a carne, que simbolizam a
carne e o sangue de Cristo. E assim foi instituída a eucaristia.
Aqui
então temos uma alusão ao alimento espiritual, onde se alimenta do próprio Deus.
Além do Cristianismo, nos Mistérios Eleusinos, os adeptos consumiam o pão,
alimento associado à Deméter (a deusa arquetípica do poder materno da terra), e
o vinho – associado a Dioniso - a bebida divina que eleva a pessoa, mediante a
embriaguez extática, a um estado de júbilo que a destacava de sua condição
comum do cotidiano, ou, em outras palavras, a eleva a uma fusão com o divino;
tal experiência sagrada seria proporcionada pela ação dionisíaca.
Isso
representa a assimilação da potência simbólica da divindade. Em termos
psicológicos é o contato com o Self. O rapaz ao se alimentar anteriormente cai
no sono, pois aquele alimento não o satisfaz. Isso significa que enquanto a
consciência se alimenta de algo transitório, como os desejos egóicos, ela cai
no sono da inconsciência e se sente constantemente insatisfeita. O propósito advém
desse centro da totalidade.
Ela
lhe da um anel com seu nome. O anel também é um símbolo do Self e simboliza o
casamento, o compromisso que ele precisa estabelecer com a anima.
Após
isso ele sai em busca dela e segue em direção ao castelo de ouro de Stromberg.
Aqui temos um caso de redenção dupla. A princesa enfeitiçada precisa
libertar seu salvador, para que ele possa cumprir sua missão.
O herói nesse caso precisa antes da ajuda da anima, pois ele ainda se
encontra preso a um complexo materno, onde a anciã lhe oferece prazer. Esse
prazer infantil o deixa na preguiça e na inconsciência.
Ele
então encontra um gigante que quer devorá-lo. Ele lhe dá a comida e o gigante
lhe indica o caminho até a princesa. Os gigantes representam a natureza em
estado selvagem, em seu estado primitivo antes de ter sido anexada à
civilização. É a força da natureza que pode ser destrutiva, pois gigantes são
muitas vezes desajeitados e mal-intencionados. Representa então a força da
nossa própria natureza que foi reprimida e renegada. Nossa parte destrutiva, devoradora,
desajeitada, mas que possui muita força.
E
o herói faz dessa parte de sua natureza sua amiga, pois o gigante não comia, ou
seja, a consciência parou de alimentar esses aspectos e assim ele se tornou perigoso.
Então
o gigante lhe indica o caminho do castelo. Ele passa a viver ao sopé da
montanha a espera do momento certo, e aguarda por um ano.
Até
que ele engana três ladrões e adquire um cajado que abre as portas, capa que o
torna invisível e o cavalo que vai a qualquer lugar. E assim culmina na
libertação e casamento.
O
numero três se repete nesse conto, e em outros contos também é bem recorrente. O
três é o numero da salvação, resolução harmônica do conflito da queda, é o
desdobramento do Uno em trindade. Isso significa que em cada alma humana,
existe a possibilidade de salvação.
Aqui
Logos – animus e Eros – anima se encontram em conflito. O Logos preso no
complexo materno e imaturo e Eros amaldiçoado pelo mesmo complexo materno disfuncional.
Um
ano – tempo que o salvador aguarda – simboliza os 12 meses do ano. Na
Astrologia, o tempo que o Sol leva para passar pelas 12 casas zodiacais. Isso
significa passar por uma iniciação e realizar um ciclo de conhecimento da vida.
O amadurecimento que antes não havia. Apenas após aprender os mistérios da vida
nos 12 meses, ele está apto a agir. E assim chegar a Coniunctio, ou seja ao casamento alquimico e interno.
Referências
bibliográficas:
EDINGER,
E.F. – Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia.
São Paulo, Cultrix: 2006.
JUNG,
C. G. Os arquétipos e o inconsciente
coletivo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
PAZ, N. Mitos e ritos de iniciação nos contos de
fadas. Cultrix – Pensamento. São Paulo: 1995.
VON FRANZ, M. L.
A interpretação dos contos de fada. 5
ed. Paulus. São Paulo: 2005.
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