O amor nos contos de fadas
O amor nos contos
de fadas
Por: Hellen Reis
Mourão
Quem
ama ou já amou sabe o quanto isso é difícil.
O
encontro com o outro é permeado de dificuldades, encantos e desencantos.
Nos
contos de fadas vemos retratada essa jornada do encontro com o outro, com os
dissabores e a luta necessários para o desenvolvimento da personalidade.
Nos
contos de fadas que culminam em um casamento há sempre uma jornada dolorosa que
simboliza o desenvolvimento da personalidade do herói ou heroína.
O
casamento é sempre uma conquista árdua.
No
conto a Donzela sem mãos, dos irmãos Grimm, por exemplo, a heroína passa duas
vezes pela separação do amado e duas celebrações de casamento.
Em
Rapunzel, há o encontro com o príncipe e logo uma separação onde ambos precisam
viver no deserto até poderem se encontrar novamente.
Os
contos então parecem mostrar que não dá para encontrar assim de modo imediato o
príncipe e logo se casar com ele.
Isso
contradiz os valores que nossa sociedade prega. Hoje damos muito valor ao amor
romântico e à paixão imediata. A entrega de corpo e alma logo início é
supervalorizada em nossa sociedade e isso causa muitos transtornos nas
relações.
Contudo,
todos os encontros populares mostram que esse encontro se passa depois de
muitas provas.
Existe
um caminho a ser percorrido e algumas provas iniciáticas a serem superadas.
No
mito Eros e Psique, a moça passa por diversas tarefas impostas pela deusa do
amor, Afrodite, para reencontrar seu amado.
Essa
dificuldade imposta pela deusa do Amor nos mostra que precisamos estar aptos
para esse verdadeiro encontro. Parece que precisamos provar a ela que somos
merecedores e estamos maduros para o verdadeiro amor.
No
conto de fadas dos irmãos Grimm, chamado A Princesa Enfeitiçada, o jovem herói
precisa desvendar os enigmas proposto pela princesa que está sob o domínio de
um espírito da montanha. Se não conseguir desvendar os enigmas ela irá matá-lo,
mas se conseguir se casará com ela. O jovem consegue, mas mesmo após o
casamento ainda precisa vencer um último obstáculo para enfim ter seu casamento
consumado.
Tanto
os homens quanto as mulheres precisam vencer desafios para consumar seu amor.
O
amor para a psicologia analítica é um dos maiores catalisadores do processo de
individuação. Aquele processo onde você se torna a si mesmo. Você se torna quem
tem que ser. Por meio dele há o encontro com o outro, que nos transporta para
uma dimensão mais profunda de nós mesmos. Por essa razão o amor é pessoal, pois
nos impulsiona a nos conhecermos melhor e a sairmos de casa em busca da
autonomia.
O
primeiro encontro com alguém é permeado de ilusões e fantasias sobre o outro.
Não enxergamos como o outro realmente é, mas como gostaríamos que fosse.
No
amor, há uma dança que precisa ser feita. Um cortejo inicial.
Nos
contos de fadas, os obstáculos, enigmas e desafios, que as princesas costumam impor
aos pretendentes. É como se ela quisesse que o futuro amado provasse seu valor
e que ele está apto a entende-la.
Há
um conto de fadas tibetano chamado Senhorita Madrepérola, onde a heroína
Madrepérola teve de dar atenção a parte ferida, fraca, abandonada e pobre de
sua alma (representada por um mendigo, antes que pudesse se casar.
As
vivências dolorosas, os desencantos e as traições, parecem fazer esse serviço
para nós, onde assim podemos ver nossas limitações e a dos outros e aceita-las.
Os
contos de fadas – como em Senhorita Madrepérola e A Mulher esqueleto - nos
mostram que precisamos nos relacionar com nosso lado fragilizado antes de nos
relacionar de forma madura e mais plena.
Vemos
nos contos de fadas que também há uma dança no momento da conquista do amor. No
conto brasileiro chamado Mãe d´água, o pobre pescador precisa fazer oferendas à
mãe d´água. Ela recebe algumas dádivas do rapaz, e mostra sua vaidade e beleza
com isso.
Isso
mostra que é vital para a mulher ouvir do homem que é bonita e se sentir assim
perto dele. Ela floresce e se sente próxima ao divino com isso.
Esse
conto mostra esse galanteio, que hoje por vezes é banalizado. Observar essa
dança de forma antiquada é desconhecer a profundidade da psicologia do homem e
da mulher. Ser vista pela sua beleza, por seu encanto é algo que a mulher gosta
de sentir e ouvir. Algo herdado da deusa do amor Afrodite por todas as
mulheres. Todas elas sucumbem diante da deusa quando apaixonadas. Os homens
gostam de sentir que são inteligentes e fortes o suficiente para agradar as
mulheres, e assim provar que sabe agrada-la. Eles gostam de ouvir que sabem
despertar na mulher algo que ninguém mais soube.
Portanto,
para chegar ao casamento heróis e heroínas precisam fazer um rito de iniciação,
observar seu lado fragilizado, amadurecer, superar complexos parentais,
tornando assim a conquista do amor mais complexa e mais profunda e
desmistificando o amor romântico e impetuoso da sociedade de hoje.
Referências
bibliográficas:
BONAVENTURE,
J. Variações do tema mulher. São
Paulo: Paulus,
KAST, V. O amor nos contos de fadas – o anseio pelo
outro. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
VON
FRANZ, M. L. A interpretação dos contos
de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.
________________
O feminino nos contos de fada. Vozes.
São Paulo: 2010.
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