Contos de fadas e a separação do pai
Por: Hellen Reis Mourão
Nesse
texto gostaria de falar de um tema bastante recorrente em mitos e contos de
fadas: o noivo monstro ou animal.
Encontramos
esse tema em diversos contos como, por exemplos, o famoso, A Bela e a Fera e A andorinha
que canta e pula dos irmãos Grimm e o mito de Eros e Psiquê.
Neles
a heroína acaba sendo prometida a um monstro (ou animal) pelo pai que rouba
algo (uma flor do jardim por exemplo) dele. Por amor ao pai a moça aceita seu
destino e o monstro se transforma por meio da fidelidade que a moça tem ao seu
amor.
No
mito Eros e Psiquê por exemplo, o pai da moça a leva ao topo da montanha para
se casar com um monstro. Eros, apesar de sua beleza é um monstro e ela é
proibida de contemplar a sua bela face, seu aspecto positivo e sublime permanece
escondido dela.
Em
A Bela e a Fera a moça só a vê a feiura aparente do marido que foi amaldiçoado
por uma bruxa. Ela tem sentimentos ambíguos de nojo e atração ao mesmo tempo.
Em
algumas variantes de contos de fadas, o marido – monstro, é um belo príncipe a
noite e monstro de dia.
Esse
marido acaba sendo redimido e transformado quando ela se recusa a abandoná-lo ou
quando ela revela seu esconderijo na hora certa.
Em
Eros e Psiquê, a ansiedade tomou conta da heroína, fazendo com que ela
descobrisse sua identidade antes da hora. Ainda não havia confiança e sua
curiosidade e ansiedade desmedidos mostrou uma infantilidade psíquica que
precisava ser transformada.
Quando
acontece antes da hora a heroína deve passar por uma missão aparentemente sem
fim para reaver o amado.
Outra
característica desse tema nos contos é que o amado sempre apresenta uma
dualidade: monstro horripilante e assustador e belo, jovem e sedutor. Ele
costuma ser um bicho ou monstro que ninguém consegue amar, mas que foi
amaldiçoado. Sua aparência causa nojo e pavor, especialmente quando ele pede um
beijo.
Outra
semelhança extremamente relevante para nossa compreensão é o fato de o pai
prometer a filha para se safar de uma situação.
Em
A Donzela sem mãos o pai promete a filha ao diabo para obter riqueza, em A Bela
e a Fera o pai promete a filha para não ser morto, e em Eros e Psiquê o pai
aceita a condição do oráculo sem questionar para que a imagem da filha (que não
casou ainda) não seja maculada. Em A andorinha que canta e pula o pai promete a
filha mais nova a um leão para que esse lhe poupe a vida.
Nos
contos de fadas geralmente esse pai encontra o monstro após ficar perdido em
uma floresta, ou em uma situação difícil (como a pobreza por exemplo). Em A
Andorinha que canta e pula, a filha lhe pediu a andorinha e ele só a encontra
na floresta.
Estar
na floresta significa que esse pai entra na esfera instintiva. Ele perdeu seus
instintos e por isso foi tomado por fantasias inconscientes. Sua consciência
perde a direção e o leva ao perigo do confronto com instintos inconscientes.
Por
trás dessa desorientação está a fera, o bicho, o monstro. Ele geralmente está
amaldiçoado por uma figura feminina. Sendo tomado pelos instintos mais
primitivos. Ou seja, o pai (regente patriarcal da consciência) precisa do
confronto com um aspecto sombrio carregado de instintos por ele negado.
O
tema do pai que entrega a filha a um monstro fala do rompimento simbólico da
relação incestuosa com o pai. Essa desorientação do pai interno na mulher é
quando ela perde seu rumo, o controle. As leis (representadas pelo pai) á não
lhe servem como guia e é preciso que se encontre uma nova lei interna um novo
sistema de orientação.
Em
A Bela e a Fera, ao elucidarmos todo o seu simbolismo, verificaremos que a Bela
representa qualquer jovem ou mulher envolvida numa ligação afetiva com o pai,
ligação que só não se estreita mais devido à natureza espiritual do sentimento que
os une. É como se ela desejasse ser salva de um amor que a mantém virtuosa, mas
em uma atitude irreal. (Jung, 1977)
Nesses
contos é típico o pai ficar em uma situação difícil e uma solução rápida se
apresenta e ele a aceita de bom grado. Mas a situação exige um sacrifício
(geralmente a filha sem que ele saiba), que simbolicamente representa a relação
com ela, e o incesto inconsciente, que impede que a filha cresça.
Conforme
Kast (2006) podemos considerar os laços incestuosos de maneira simbólica, como
uma ligação excessiva as normas reinantes na consciência, personificadas na
figura do pai, que impossibilitam que ela vivencie um homem ou seu próprio lado
masculino como “totalmente outro”.
Para
cortar a ligação incestuosa, que transforma o homem em apenas um conceito é
preciso se relacionar e aprender a amar a Fera.
Conforme
Jung (1977):
“Em a Bela e a
Fera, ela, desperta para o poder do amor humano disfarçado na sua forma animal
(e, portanto, imperfeita), mas também genuinamente erótica. Presumivelmente este
fenômeno representa o despertar das verdadeiras funções do seu relacionamento,
permitindo-lhe aceitar o componente erótico do desejo inicial que fora
reprimido por medo ao incesto. Para deixar o pai precisou, por assim dizer, aceitar
este medo ao incesto e tê-lo presente apenas na sua fantasia, até conhecer o
homem-animal e descobrir suas verdadeiras reações como mulher.”
Nesses
contos é comum a mãe estar ausente, o que simbolicamente significa que ela se
afastou de seus instintos. A mãe ausente traz uma insegurança para a mulher sobre
a sua feminilidade. Ela não sabe o que é ser feminina de fato por isso pode
buscar substitutos teóricos, sendo facilmente dominada por um animus negativo.
Ou seja, pensando ser feminina ela irá ser dominada por conceitos que estão em
voga na sociedade padrões que ditam aquilo que é o feminino de acordo com o
espirito da época, e que pode não ter absolutamente nada com a sua natureza
mais profunda.
Nesses
contos a heroína está lidando com a força do masculino numinoso, que causa
atração e repulsa ao mesmo tempo. Uma força masculina arrebatadora, porém,
anônima ainda.
Conforme
Neumann (2000), encontramos esse masculino monstro serpente, dragão em um
grande número de ansiedades sexuais e comportamentos neuróticos da mulher que dificultam
seu relacionamento com o homem.
Frequentemente
por detrás da ansiedade e neurose está a fantasia do incesto com o pai pessoal.
Mas essa é também uma experiência arquetípica por isso tão representada nos
contos e nos mitos.
Conforme
Kast (2006) os laços incestuosos, de forma simbólica, aparecem como uma ligação
excessiva às normas reinantes da consciência, personificadas na figura do pai
pessoal, que impossibilitam que a mulher vivencie um homem, ou o seu próprio
lado masculino como “totalmente outro”.
Essa
lealdade e “casamento” inconsciente com o pai leva a mulher a odiar e desprezar
todos os outros homens. Eles passam a ser monstros maquiavélicos que só querem
abusar dela. E toda responsabilidade do fracasso da relação recai no homem, ela
não assume nada.
O
medo e a ansiedade em relação a masculinidade, a sexualidade, faz com que em
suas fantasias o homem se apresente de forma ambígua, mas sombria e obscura. O
enfrentamento desse medo é uma verdadeira iniciação para que a mulher se torne madura.
Conforme
Jung (1977):
“Aprendendo a amar
a Fera, a Bela desperta para o poder do amor humano disfarçado na sua forma
animal (e, portanto, imperfeita), mas também genuinamente erótica.
Presumivelmente este fenômeno representa o despertar das verdadeiras funções do
seu relacionamento, permitindo-lhe aceitar o componente erótico do desejo inicial
que fora reprimido por medo ao incesto. Para deixar o pai precisou, por assim
dizer, aceitar este medo ao incesto e tê-lo presente apenas na sua fantasia,
até conhecer o homem animal e descobrir suas verdadeiras reações como mulher.”
Nos
contos onde aparece o noivo-animal, ele comumente está amaldiçoado por uma
bruxa, que o transformou em um monstro. Aqui a influencia materna é mais sutil,
mas está presente.
Na
mulher sugere que a mãe transmite a imagem de um masculino de forma tão
intensa, que a menina compreende de forma monstruosa e ameaçadora quase um
animal e não um ser humano. No menino, o apego excessivo a mãe mostrara às
mulheres sua sexualidade e agressividade. Seu lado sensível e comprometido é
leal a mãe.
O
desenvolvimento da relação incestuosa para uma relação real com o masculino,
tem seu fim quando ela se mantém firme na decisão de não abandonar o masculino
positivo. Ou seja, quando a Bela sente falta da Fera e decide voltar. Ou quando
Psiquê, mesmo em meio a tanta dificuldade se mantém firme em busca do amor e
mantém em segredo sua gravidez.
Referências
bibliográficas:
JUNG, C. G. O
homem e seus símbolos. 20.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1977.
KAST,
V. A Ansiedade e formas de lidar com ela
nos com ela nos contos de fadas. São Paulo, Paulus: 2006.
NEUMAN, E. O
medo do feminino e outros ensaios sobre a psicologia feminina. São Paulo,
Paulus: 2000.
_____________ Amor e
Psique – Uma interpretação psicológica do conto de Apuléio. São Paulo,
Cultrix: 2017.
VON FRANZ, M. L. O
feminino nos contos de fada. Vozes. São Paulo: 2010.
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