Pinocchio e o processo de individuação

 



Por: Hellen Reis Mourão

    Com mais uma adaptação para o cinema do conto Pinocchio, gostaria de trazer alguns elementos do conto para vocês. Pinocchio é um conto de fadas italiano, escrito por Carlo Collodi. A história conta que Gepeto, um carpinteiro queria ser pai, e constrói um menino de madeira. Podemos observar nesse início, a criação vinda através da mente. Existe apenas o pai, que cria, a partir de uma ideia. Mas o menino ainda não tem alma, é de madeira. A alma é aquilo que nos torna humanos de fato, e é essa a busca e o anseio do menino. O pai cria sem a figura feminina aqui, que para a psicologia analítica representa a alma. Muitos de nós somos criados sem o contato com nossos instintos, apenas para darmos valor ao mental e racional. Nossas emoções, nosso corpo, e nossa alma, são soterrados, nos deixando igual Pinocchio, um ser de madeira, sem alma. Movidos apenas por ideais e crenças coletivas, que nos amarram, sem questionamentos. Sem alma, sem contato com as emoções, vivemos apenas para nossos próprios interesses, nos levando a destruir a natureza externa, e a natureza humana. 

    

O nome Gepeto é uma derivação de Japeto, ou Iapeto, um Titã da mitologia grega, filho de Urano e Gaia. Pai de Prometeu, Epimeteu e Atlas. Prometeu, seu filho, é aquele que desafia Zeus e rouba o fogo dos deuses para a humanidade, e é castigado severamente. Pinocchio, é aquele que precisa aprender, por si, a usar a capacidade do fogo, ou seja, da intuição, da busca do sentido da vida. Os humanos, diferentemente dos deuses, têm livre arbítrio. Podemos pegar o fogo e destruir tudo, ou usamos o fogo para criar com alma. O encontro com a fada azul, após ser perseguido de todas as formas, representa o nascimento da alma. Pinocchio passa por uma jornada comum entre os heróis: é engolido pela baleia. Essa é a metáfora da morte simbólica. Em muitas mitologias, existem dois nascimentos, um físico e o outro espiritual, ou da alma. Para a psicologia analítica, é a segunda metade da vida, onde reavaliamos tudo o que fizemos até então, e a energia psíquica se volta para o mundo do subjetivo, da alma. Na alquimia é o Solve et Coagula, dissolve o nível de consciência anterior e coagula em outro. Então a fada lhe dá a alma e o contato com suas emoções.

Como Pinocchio era inconsciente, foi feito de bobo muitas vezes, sendo arrastado pelos instintos inconscientes. Ele não ouvia a consciência (Grilo Falante), e se deixava seduzir e envolver pelos desejos egóicos. Esse é o primeiro momento da vida, onde queremos ser aceitos, inclusos, e que os desejos do ego sejam satisfeitos, mas somos arrastados, de forma inconsciente pelos nossos instintos, pois não queremos ouvir a consciência que vem do Self, ou de nosso ser mais profundo. Como Pinocchio está inconsciente de seus instintos e é dominado por eles, vai se tornando cada vez mais animal, até virar um burro. Isso acontece quando reprimimos algo em nós.

Ele ganha energia e nos toma. Essa é a nossa jornada, nos conhecer profundamente e acessar uma consciência mais elevada sobre nós e o mundo. Não adianta apenas satisfazer nossos desejos, a individuação também inclui a empatia, e o acesso a Eros (Fada Azul), o amor, que faz com que amemos a nós, o outro, a vida e a natureza, de forma madura. Eros não é apenas instinto, ele traz um caráter de consciência também. Essa consciência desperta em Pinocchio através do amor pelo pai, que lhe deu tudo. Ele encontra seu pai no ventre da baleia, o símbolo do novo renascimento. Pois ele é dado como morto, mas nasce de novo, agora como menino humano. 

  O quanto ainda somos de madeira? O quanto ainda somos marionetes dos nossos instintos, de forma inconsciente? Quanto potencial interior desperdiçamos com nosso egoismo?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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