Ensaio sobre culpa
Por: Hellen Reis Mourão
A culpa é um
sentimento básico da humanidade. Um sentimento denso, pesado e tóxico, que pode
se manifestar de duas formas: uma é projetando nossos infortúnios em algum bode
expiatório, ou é se voltando contra nós mesmos.
A culpa é uma
frustração causada pela distância entre o que não fomos e uma imagem criada
pelo ego daquilo que achamos que deveríamos ter sido.
Ela aprisiona o indivíduo, que se mantém voltado para o passado e a um papel de vitima dos
outros e das circunstâncias. E ficar preso dessa forma significa nunca progredir,
mantendo-se atados a sentimentos de raiva, angustia e vingança, chegando até a
depressão.
Além disso, a
culpa é um sentimento de extrema arrogância. Ele se baseia em princípios egóicos
de uma moral preestabelecida. Onde nos achamos donos da verdade, a ponto de
querer definir o que é certo e errado.
A culpa faz com
que o indivíduo se submeta a uma punição para tentar se esquivar de sofrer uma
punição ainda mais severa por causa do erro que cometeu, mantendo o indivíduo
preso.
Na culpa há uma resistência
em aceitar a realidade das coisas e da situação. E infelizmente as religiões
judaico-cristãs reforçam o sentimento de culpa com seus dogmas aprisionadores.
Entretanto nos
ensinamentos de Cristo vemos algo completamente diferente. E neles pode estar à
chave para transformar a culpa paralisante em algo produtivo, pois Cristo não
fala em culpa, mas sim em arrependimento. E esses dois termos possuem uma
diferença significativa.
A palavra
arrependimento é de origem grega (μετάνοια, metanóia) e significa conversão
(tanto espiritual, como intelectual).
No arrependimento
há uma mudança de direção. O indivíduo agora resolve ter uma atitude oposta à
anterior.
Ou seja, no arrependimento
está contida uma ação baseada em uma reflexão anterior. É uma ampliação de consciência
que leva o individuo a buscar novos caminhos e aprendizados.
Além disso, a
culpa sempre sucede uma transgressão.
Transgressão
significa a ação humana de atravessar, exceder, ultrapassar as noções que
pressupõem a existência de uma norma que estabelece e demarca limites.
Em toda atividade
criativa humana há transgressão. Psicologicamente o individuo que transgride
busca a superação de si mesmo na ruptura com o mundo que o cerca. Aquilo que
não serve mais, que aprisiona que mantém infantilizado deve ser transgredido.
Ao longo da
história temos vários exemplos de transgressão de normas vigentes em sua época.
Exemplos revolucionários como Galileu
Galilei e o próprio Cristo.
Cada um, ao
buscar, ao inventar, ao tentar o novo, incorre em transgressão. E com ela vem a
culpa.
Portanto devemos
de transgredir a própria culpa se não quisermos ficar paralisados. Não que a partir
de hoje não devamos mais distinguir o que é certo e errado. Na verdade devemos
criar uma ética interna baseado na experiência, provinda de uma reflexão profunda.
Aceitar que
vamos falhar e errar, que nada é perfeito. Que bem e mal podem ser relativos,
pois para o inconsciente não há certo e errado, ele é totalidade.
Aceitar que todas
as situações que experimentamos em nossa vida são aprendizados. Devemos perder
o medo do fracasso, pois sem ele não há a vitória. Só assim podemos transmutar
a culpa aprisionadora em uma experiência de arrependimento que amplie a nossa consciência
e nos traga uma ética que transcende normas externas.
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