A Anima



 Por: Hellen Reis Mourão
A ideia da natureza andrógina do homem é muito antiga, e muitas vezes foi expressa na Mitologia e pelos espíritos intuitivos (os xamãs, por exemplo) dos tempos passados.
Mais recentemente Carl Jung aprofundou no estudo da mitologia, dos contos, dos sonhos e da literatura e observou esse fato psicológico da natureza humana e nos presenteou com os termos Anima e Animus, que simbolizam os opostos existentes no homem e na mulher.
Na Grécia antiga havia a ideia e que os primeiros seres que deram origem aos humanos, eram perfeitamente redondos, tinham quatro braços e quatro pernas e uma cabeça com duas faces, parecendo opostas entre si. Eram masculinos e femininos ao mesmo tempo e por isso possuíam enorme força e inteligência que rivalizavam com os deuses. Com medo os deuses cindiram as esferas em dois e os gêneros foram separados, mas a lembrança dessa unidade faz com que o ser humano lute para se reunir com sua metade de novo.
Essa busca ainda reside no inconsciente humano, e consiste na busca que o homem tem de completude e de integração. Por essa razão, anima e animus são instancias psíquicas tão importantes para o processo de individuação.
Na verdade, a grande contribuição dos conceitos de anima e animus é a de que todo ser humano é andrógino. Em cada mulher existe o reflexo de um homem e em cada homem existe o reflexo de uma mulher.
Não há homem algum tão exclusivamente masculino que não possua em si algo de feminino. O fato é que precisamente os homens muito masculinos possuem (se bem que oculta e bem guardada) uma vida afetiva muito delicada, que muitas vezes é injustamente tida como "feminina". (Jung, 2008)
A anima então designa o aspecto feminino, em grande parte inconsciente dos homens, ou seja, “a mulher interior” em cada homem.
Conforme Von Franz (2002):
Anima é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psique do homem — os humores e sentimentos instáveis, as intuições proféticas, a receptividade ao ir racional, a capacidade de amar, a sensibilidade à natureza e, por fim, mas nem por isso menos importante, o relacionamento com o inconsciente.“
Para Jung, a anima está ligada à emotividade e a capacidade para proximidade e receptividade do homem.
A palavra anima (assim como animus) vem do latim animare, que significa animar, avivar. Pois tanto a anima quanto o animus se assemelham a espíritos e alma vivificadores para homens e mulheres. Por isso, o ato de se apaixonar é tão vivificante para o individuo.
Carl Jung ainda aponta que as manifestações da anima em um homem são determinadas pela experiência dele com sua mãe pessoal. Ou seja, anima corresponde ao Eros materno.
No entanto, ao longo da vida do homem, é necessário que a imagem da anima se separe da imago materna.
Conforme aponta Von Franz (2002) se o homem sente que a mãe teve sobre ele uma influência negativa, sua anima vai expressar-se, muitas vezes, de maneira irritada, depressiva, incerta, insegura e susceptível.
A anima é um arquétipo, que simboliza a experiência do homem, desde os tempos mais remotos, com a mulher.
Os arquétipos formam a base de padrões de comportamento instintivos e que não são aprendidos, são inatos e comuns a toda espécie humana. Esse padrão feminino, então ficou registrado no inconsciente masculino e foi apreendido ao longo da historia da humanidade.
Embora as expectativas culturais e sociais com relação aos papeis atribuídos ao homem e a mulher influenciem no modo os gêneros vivem suas vidas, há padrões psíquicos arquetípicos que influenciam de forma categórica a forma de conduta do feminino e masculino.
Como todo arquétipo a anima apresenta um lado positivo e outro negativo, em sua relação com o ego masculino. Em seu aspecto positivo, ela é capaz de inspirá-lo e sua capacidade intuitiva, muitas vezes superior à do homem, pode adverti-lo convenientemente. Seu sentimento, orientado para as coisas pessoais, é apto para indicar-lhe caminhos; sem essa orientação, o sentimento masculino, menos orientado para o elemento pessoal, não os descobriria. (Carl Jung, 2008)
Ela faz então o papel de musa inspiradora, uma espécie de Atená que inspira o homem em seus feitos heróicos e lhe ajuda com estratégias.

Pelo lado negativo, a anima não desenvolvida, provoca uma espécie de apatia, um medo a doenças, à impotência ou a acidentes. A vida adquire um aspecto tristonho e opressivo. Este clima psicológico sombrio pode, mesmo, levar um homem ao suicídio, e a anima torna-se então o demônio da morte. Ela também é responsável por causar de caprichos insensatos no homem e uma hiper sensibilidade.
A anima - assim como o animus - personifica o inconsciente, e quando toma a consciência do homem suscita nele caprichos ilógicos conferindo-lhe um caráter irritante e desagradável. Não que o inconsciente tenha essas características, mas quando a anima começa a influenciar a consciência ela se apresenta ainda como uma personalidade parcial e ainda não refinada e primitiva. Assim como a sombra ela precisa ser compreendida, reconhecida e integrada.
As imagens arquetípicas mais comuns do aspecto negativo da anima são: a femme fatale, as sereias que simbolizam uma ilusão destruidora, a bruxa.
As sereias simbolizam o sonho irreal de amor, de felicidade, e de calor materno (o ninho) — um sonho que afasta o homem da realidade. Nos mitos o homem se afoga porque persegue um desejo fantasioso, que não se pode realizar.
A bruxa simboliza observação rancorosa, venenosa e efeminada que ele emprega para desvalorizar todas as coisas. Observações deste tipo sempre contêm uma mesquinha distorção da verdade e são engenhosamente destruidoras. Existem lendas pelo mundo afora em que surge "uma donzela venenosa" (como dizem no Oriente). E sempre uma bela criatura que traz veneno ou armas escondidas no corpo, com as quais mata seus amantes na primeira noite de amor. Quando assim se manifesta, a anima é tão fria e indiferente como certos aspectos violentos da própria natureza, e na Europa até hoje isto se traduz, muitas vezes, por crença em feiticeiras.
Von Franz (2002) aponta que uma manifestação ainda mais sutil da anima negativa aparece, em alguns contos de fada, sob a forma da princesa que pede a seus pretendentes que respondam a uma série de enigmas. Os candidatos morrem se não conseguem encontrar as respostas e a princesa ganha sempre. A anima sob este aspecto envolve os homens num jogo intelectual destruidor. Ou seja, ela usa de artimanhas para que o homem acredite que está pensando por si só de forma objetiva, mas está caindo na armadilha de um pensamento pseudo-intelectual.
A anima também leva o homem a alimentar fantasias eróticas com pornografia. Esse é um aspecto primitivo e grosseiro da anima, que só se torna compulsivo quando o homem não cultiva suficientemente suas relações afetivas — quando a sua atitude para com a vida mantém-se infantil.
Por essa razão o homem é compulsoriamente induzido ao relacionamento sexual com a mulher, que para ele, traz em si a imagem feminina dele, e só sente que o relacionamento está completo depois da cópula, quando ele experimenta uma sensação de momentânea unidade com ela (Sanford, 1987).
É a anima (e o animus nas mulheres) que provocam paixões súbitas, onde o homem ao avistar uma mulher se sente atraído de imediato por ela e sente-se como se já a conhecesse a vida inteira perdendo-se a ela. Isso pode ser positivo ou fazer o homem se perdeu completamente.
Falando agora sobre o lado positivo de uma anima bem desenvolvida, Von Franz (2002) aponta que ela é, por exemplo, responsável pela escolha da esposa certa. Ou quando o espírito lógico do homem se mostra incapaz de discernir os fatos escondidos em seu inconsciente, a anima ajuda-o a identificá-los.
Ela faz a ponte para o ego masculino encontrar sua verdade e valores mais profundos. Ela é o guia para a sua verdade mais profunda.
A anima positiva é uma guia espiritual para o Self e não “toma” a personalidade consciente do homem transformando-o em uma mulher inferior e o transformando em um ser com humor oscilante.
Mas para isso, a anima deve passar por quatro estágios de desenvolvimento.
O primeiro é simbolizado na figura de Eva, representando o relacionamento puramente instintivo, sexual e biológico; o segundo pode ser simbolizado por Helena de Tróia, que também é caracterizado pelos elementos sexuais, porém personifica um nível mais romântico e estético. Seria a musa inspiradora. O terceiro estágio pode ser simbolizado pela Virgem Maria, sendo aquela que eleva o amor à grandeza da devoção espiritual e símbolo da maternidade. O quarto estágio é simbolizado por Sofia (sabedoria), a sabedoria que transcende até mesmo a pureza e a santidade. Um exemplo é a deusa grega Atena que guiava os heróis com sua sabedoria.

A anima positiva pode auxiliar o homem a fixar seus sentimentos, humores e fantasias em alguma forma como literatura, pintura, dança escultura ou música.
Outra consideração sobre a anima é o perigo da unilateralidade. A anima ao mesmo tempo que é um ser pessoal e possui aspectos individuais, ela é também espiritual e pode se tornar um figura religiosa como Maria em nossa sociedade ocidental. A anima representa o componente feminino da personalidade do homem, mas ao mesmo tempo a imagem do ser feminino que este de modo geral traz em si; em outras palavras, o arquétipo do feminino.
O homem precisa encontrar o meio termo entre esses dois aspectos, o que não é algo fácil. Se considerar apenas o aspecto espiritual não conseguirá se relacionar com a mulher real, compreendendo que nenhuma mulher se aproxima da imagem de Deusa que ele tem em sua fantasia. Se considerar apenas um ser pessoal há o perigo de, projetando-a no mundo exterior, só nele poderá encontrá-la. Esta última situação pode criar grandes problemas, já que neste caso ou o homem se torna vítima de fantasias eróticas ou compulsivamente dependente de uma mulher real (Von Franz, 1996).
Por essa razão é necessária a projeção em uma mulher real e o relacionamento com ela para que o homem possa aprofundar cada vez mais em seu eu interior e conhecer esses dois aspectos de seu feminino.
O amor envolve dois elementos extremos: de um lado, um ideal romântico e espiritual; de outro, um impulso biológico pela procriação da raça, algo localizado bem no nível animal. De algum modo, esses opostos se combinam, e devem se combinar em uma relação. Arquetipicamente o homem junta em uma figura a princesa idealizada e a prostituta.
No conto de fadas Rapunzel, a princesa fica em uma torre onde de vez em quando o príncipe sobe e satisfaz suas necessidades, atrás desse pano de fundo está a mãe devoradora, terrível. A princesa precisa descer da torre e encontrar manifestação terrena e o príncipe deve vagar cego pelo deserto e sofrer miséria, dor e solidão. Ou seja, deve abandonar o paraíso aprisionador dos braços da mãe para encontrar a mulher real e assim constituir uma realização mais satisfatória.
Na problemática da anima o homem, então, deve superar o complexo materno, pois assim, o homem está livre para o encontro com a anima, ou alma, Mas como a feminilidade da anima inicialmente é identificada com a mãe, é essencial para o crescimento psíquico que essa identificação seja rompida e que a anima seja separada da mãe. Quando tal separação ocorre, o filho é capaz de estabelecer um relacionamento maduro com uma mulher, no qual ela não seja nem idealizada, nem degradada (Von Franz, 1996).
Mas o papel mais importante da anima, conforme Jung (2006) se trata de transmitir conteúdos inconscientes, no sentido de torná-los visíveis. Ela ajuda na percepção de coisas que de outra maneira permanecem no escuro. A consciência masculina, no geral, tende a excluir e separar, algo evidente nos mitos dos heróis solares que lutam para se separar do horror do inconsciente.
A consciência feminina, que na alquimia é regida pela lua, é menos penetrante, menos clara e mais difusa que a masculina.
A Lua sempre foi considerada uma constelação feminina, que está em perpétua mudança. Ela rege a menstruação, o nascimento, a morte, os animais, as marés e assim por diante. Ela agrega, compreende e aceita o mal e a sombra - tanto que em contos de fadas é mais difícil encontrarmos exemplos que tratem especificamente da sombra feminina.
Jung (2006) diz que:
“Há uma condição prévia para isso: trata-se de uma espécie de escurecimento da consciência, portanto da instalação de uma consciência mais feminina, que é menos penetrante e clara que a masculina, mas que num âmbito mais amplo percebe coisas ainda vagas. O dom visionário da mulher, sua capacidade de intuição é conhecido há eras. Seus olhos mais desfocados permitem-lhe pressentir o escuro e ver o que está oculto. Essa visão, a percepção daquilo que não pode ser visto de outra maneira, torna-se possível ao homem através da anima.”
Em nossa sociedade Ocidental, o homem sempre considerou uma virtude reprimir seus aspectos femininos, sua sensibilidade e apreciação pelo belo. A mulher cada vez mais se tornou viril e encobriu o homem com sua masculinidade (animus) agressiva e mais combativa que a do homem comum.
Os traços de feminilidade tanto no homem, quanto nas mulheres sofreram perseguições e repressões.
Há uma necessidade urgente e imperiosa de trazermos esses aspectos novamente a consciência para que homens e mulheres não mutilem mais traços de sua psique
Principalmente para o homem moderno, que agora se vê em uma necessidade de desenvolver sua anima, esse aspecto pode trazer vida a ele, pois a anima representa o fluxo da vida e assim compreender melhor não só o mundo exterior, mas o interior.

Referências Bibliográficas:
BOA, F; VON FRANZ, M. L. O Caminho dos Sonhos - Marie-Louise von Franz em conversa com Fraser Boa. São Paulo: Cultrix, 1996.
BOLEN, J. S. – Os deuses e o homem, São Paulo: Paulus, 1990.
JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. 21 ed.Vozes. Petrópolis: 2008.
JUNG, C., VON FRANZ, M. L., HENDERSON, J. L., JACOBI, J. & JAFFÉ, A. O homem e seus símbolos, 23 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
JUNG, E. Animus e Anima. São Paulo, Cultrix, 2006.
SANFORD, J. A. Os parceiros invisíveis – o masculino e o feminino dentro de cada um de nós. São Paulo, Paulus: 1987.
VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.
________________ Animus e Anima nos contos de fada. Verus. Campinas: 2010.


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