O Mágico de Oz - o conto
Por: Hellen Reis Mourão
Os contos de
fadas apesar de serem hoje vistos como entretenimento ou como algo infantil,
nos mostram em sua estrutura e em seu significado mais profundo algo de uma
seriedade impar: o processo iniciatório.
Na obra O Mágico
de Oz do escritor norte-americano L. Frank Baum, a heroína
Dorothy passa por uma séria de provas iniciatórias onde irá passar da
imaturidade da infância para a vida adulta.
O conto começa
nos mostrando a órfão Dorothy morando no Kansas com seus tios. O lugar é
apresentado como triste e cinzento, sendo somente Dorothy feliz com seu
cachorrinho Totó. Até que um dia um ciclone atingiu sua casa e a levou com casa
e tudo para o mundo de Oz.
O ciclone é uma
força da natureza extremamente destrutiva. Nesse caso podemos afirmar de forma
simbólica que Dorothy foi alçada para o mundo simbólico do inconsciente. Ela
está em uma sublimatio, observando tudo de longe de forma a observar as
múltiplas possibilidades de sua vida.
Quando
observamos o desenvolvimento de uma criança vemos que a primeira função a ser
desenvolvida por ela é a sensação. Ela avalia o mundo com os cincos sentidos:
ela toca, cheira e coloca tudo na boca. Após certa idade a criança entra em
contato com o mundo da fantasia, da imaginação e é ai que a função intuição
começa a se manifestar.
Dorothy está em
contato no mundo de Oz com a intuição e as possibilidades que a sua vida pode
tomar. Nesse mundo ela entra em contato com figuras arquetípicas e instintos
ainda desconhecidos.
Ao chegar a Oz
ela descobre que matou uma das bruxas más acidentalmente. Nesse mundo há quatro
bruxas: as do Leste e Oeste são más e as do Norte e Sul boas. Ou seja, é uma
totalidade feminina em um equilíbrio entre bem e mal, mas que não possui a
contraparte masculina.
Dorothy se
encontra com as quatro bruxas nos quatro pontos cardeais em uma espécie de
busca da totalidade. Um símbolo da totalidade materna, com seus aspectos bons e
maus, do qual temos que entrar em contato para compreendê-lo e superá-lo.
Tomo a liberdade
de não seguir a narrativa e me deter apenas nos aspectos simbólicos do conto,
por isso não me deterei na ordem dos acontecimentos.
Ela mata a
primeira bruxa a do Leste acidentalmente e fica com os seus sapatos, que lhe
cabem perfeitamente. O calçar os sapatos que servem somente a determinada
pessoa é um tema conhecido dos contos de fadas. Vemos isso em Cinderela.
Os sapatos
mantêm nossos pés aquecidos e protegidos para que possamos seguir nossos
caminhos. Isso significa que Dorothy deverá seguir um caminho que só pertence a
ela. No processo de individuação devemos viver a porção que nos cabe e que é
somente nossa e aceita-lo como uma realidade. Entretanto não costumamos a
aceitar nosso quinhão tão facilmente como Dorothy, questionamos, reprimimos e
assim desenvolvemos sintomas neróticos.
O fato de herdar
da bruxa má significa que aspectos sombrios foram incorporados a sua psique. Em
contos como o de Vasilisa, a heroína herda algo da bruxa má (Baba Yaga) que no
final acaba lhe ajudando, mostrando que a dimensão sombria incorporada lhe
auxilia agora com astucia e diminui a ingenuidade da heroína.
Dorothy também
se encontra com alguns anões e com a Bruxa Boa do Norte. Os anões foram
libertados com a morte da Bruxa Má do Leste, isso psicologicamente significa
que os impulsos criativos de Dorothy, representados pelos anões, estão livres
de um complexo que os aprisionava.
Além disso, ela
ganha da Bruxa Boa um beijo mágico que irá protegê-la em seu caminho. Ou seja,
aspectos da imagem arquetípica da boa mãe lhe protegem do mal.
Dorothy após se
encontrar com o Mágico na cidade das Esmeraldas sai em uma jornada onde destrói
a Bruxa Má do Oeste e também se encontra com a Bruxa Boa, Glinda.
É digno de nota
a forma como ela mata a bruxa: com água. Nos contos de fadas é comum termos a
redenção de algum personagem amaldiçoado pelo banho. Psicologicamente o banho e
a água significam um retorno ao inconsciente, a fim de purificar certos aspectos
sombrios (Von Franz, 1985). A bruxa morre ao ser banhada pela água, ou seja,
ela retorna ao inconsciente a fim de perder seu aspecto destrutivo e ser
renovada. Um complexo destrutivo ao morrer simbolicamente, transfere a libido
(energia psíquica) para outros aspectos da psique, ativando partes ainda
desconhecidas nossas e impulsionando para um maior desenvolvimento.
Sobre Glinda,
falarei ao final do texto.
Bem, durante a
jornada Dorothy juntamente com o seu cão Totó se encontram com alguns
personagens muito importantes para o desenvolvimento a psique da jovem.
Primeiramente
ela se encontra com um boneco de palha que deseja ter um cérebro. A palha é um
elemento extremamente leve, seco e frágil e o boneco feito dela é comumente
usado para espantar corvos das plantações. Ou seja, ele é útil para espantar
pensamentos nocivos da mente.
O fato de
desejar um cérebro e de ser feito de um objeto seco significa que Dorothy está
entrando em contato com a função pensamento.
Após alguns
anos, já na adolescência, o indivíduo entra em contato com a função pensamento
e começa a desenvolver a lógica e a discriminação entre as coisas.
Por ultimo, o indivíduo entra em contato com a função sentimento, no livro simbolizado aqui
pelo homem de lata, que deseja ter um coração e a voltar a sentir e a amar
assim como fazia quando era humano.
Dessa forma Dorothy
desenvolve todas as funções e cada uma delas ocupará seu reino em Oz.
Entretanto devemos lembrar que Dorothy é uma heroína, uma figura arquetípica
que mostra o funcionamento de um ego ideal em consonância com as demandas do Self. Na realidade, nós humanos entramos
em contato com as funções, mas desenvolvemos uma, no máximo delas e no processo
de individuação temos que dar espaço e lugar as menos desenvolvidas para que
possamos ampliar nossa consciência e nos tornarmos mais completos.
Após encontrar
essas figuras, Dorothy se depara com um leão sem coragem. No simbolismo
alquímico o leão é o sol inferior, uma representação do principio masculino, um
impulso egocêntrico do poder. Além disso, ele é um animal nobre, o rei da
selva. Aqui Dorothy se encontra com um principio instintivo ainda, de sua
consciência. Podemos cair em tentação de analisar o leão como o animus de
Dorothy, mas assim reduziríamos demais sua interpretação.
Dorothy como
pré-adolescente está em pleno desenvolvimento de seu ego e sua consciência.
Seus instintos estão em pleno vapor e nesse ponto da vida ela está buscando coragem
para encarar o mundo externo e suas demandas, o que é típico da primeira fase
da vida do ser humano.
A menina está
sempre acompanhada de seu cão. O animal que acompanha e auxilia o herói ou
heroína nos contos é um tema recorrente. E aqui o animal é símbolo não só de
instintos, mas também da lealdade que Dorothy tem ao seu processo de iniciação.
Em sua jornada
Dorothy também se depara com vários desafios e problemas que são solucionados
com a colaboração do grupo formado pela menina, o cachorro, o leão, o homem de
lata e o espantalho.
Em uma dessas
aventuras é ajudada por ratos. Os ratos são símbolos da alma dos mortos e das
bruxas. No caso do conto eles são positivos e prestativos, mostrando que os
aspectos repugnantes e perigosos da psique podem também nos auxiliar. Pois
justamente aquilo que somos pode nos curar, e o que somos também possui
aspectos deprimentes e horríveis.
Dorothy chega a
Cidade das Esmeraldas para encontrar o Mágico que lhe ajudará a voltar para sua
casa no Kansas. Entretanto ela descobre que ele não tem poderes e que é uma
farsa.
Em nossas vidas,
quantas vezes depositamos esperanças mágicas em seres humanos para
posteriormente descobrirmos que são apenas humanos?
Aqui há uma
retirada das projeções mágicas que a menina faz em pessoas mais velhas e com
posições de poder. E isso é um processo importantíssimo a qual devemos passar.
O amadurecimento está em retirarmos a projeção mágica e infantil do nosso poder
pessoal de outro e assumirmos a responsabilidade por nossas vitórias e
fracassos.
Por fim, Dorothy
deve buscar a ajuda de Glinda, a outra Bruxa Boa, que lhe diz que os sapatos
que ela calça são mágicos e que podiam o tempo todo levá-la de vota para casa.
Além disso, ela dá ao leão, ao espantalho e ao homem de lata um reino para
governar, estabelecendo o local adequado de cada função e arquétipo.
O fato de
somente descobrir no final que os sapatos poderiam levar Dorothy de volta
mostra que muitas vezes a solução de nossos conflitos e problemas está conosco
o tempo todo, mas que antes de poder alcançá-la devemos percorrer um caminho de
amadurecimento. Uma vez que saber a solução antes da hora pode atrasar nosso
desenvolvimento. Por essa razão é que não se deve apressar um processo de
psicoterapia, tudo deve ocorrer ao seu tempo e o terapeuta deve ter a
sensibilidade para saber a hora correta de apontar a solução e a saída do
conflito.
Dorothy então
regressa para casa onde nota que sua realidade mudou. Agora ela pode enxergar
as coisas a sua volta com mais maturidade, tendo agora mais ferramentas para
observar os aspectos bons e maus de sua vida.
Bibliografia:
EDINGER, E.F. – Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.
SILVEIRA, N. – Jung: Vida e Obra. Silveira – 7 ed.– Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1981.
VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5
ed. Paulus. São Paulo: 2005.
VON FRANZ, M. L. O significado psicológico dos motivos d redenção nos contos de fadas. Cultrix.
São Paulo: 1985.
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