Sincronicidade - Um novo sentido a vida
Por: Hellen Reis Mourão
A sincronicidade
é um dos termos mais controversos e menos compreendido da Psicologia Analítica
de Carl Jung.
Jung criou o
termo empírico sincronicidade para poder explicar acontecimentos que fogem da
causalidade e das leis do tempo e espaço.
A causalidade é bem
conhecida do pensamento cartesiano de causa e efeito. Entretanto alguns
acontecimentos em nossas vidas escapam dessa lei, onde um acontecimento tem uma
causa conhecida e que pode se encaixar em um postulado ou lei.
São aqueles
fenômenos que por vezes tomamos por simples coincidência, mas que escapam de
qualquer explicação lógica, e a lei de causa e efeito não da conta desses
fenômenos raros e aleatórios.
Jung (2000) diz:
“Como nos mostra
sua etimologia, esse termo tem alguma coisa a ver com o tempo ou, para sermos
mais exatos, com uma espécie de simultaneidade. Em vez de simultaneidade,
poderíamos usar também o conceito de coincidência significativa de dois ou mais
acontecimentos, em que se trata de algo mais do que uma probabilidade de
acasos.”
Os fenômenos
sincronísticos por serem acausais não estão limitados ao espaço e ao tempo.
Para o inconsciente tempo e espaço são relativos e eu gosto afirmar que a
sincronicidade é uma quebra na consciência do ego que é pautada no pensamento
cartesiano e presa no espaço-tempo.
São eventos imprevisíveis,
espontâneos e não se repetem mais.
São fenômenos que,
se analisados com seriedade e cuidado, possuem grande valor terapêutico na
análise, pois chamam a atenção para áreas problemáticas que, por estarem
inconscientes, eram até então intocadas.
É muito comum
ocorrer eventos sincronisticos quando a psicoterapia está estagnada e sem a
possibilidade de progredir. Esses eventos então ocorrem trazendo novos
horizontes ao paciente.
Conforme o Dicionário
Crítico Junguiano (2015), Jung desenvolveu esse conceito de vários modos:
(1)
Como
um “principio não causal de conexão”;
(2)
Como
se referindo a eventos relacionados de forma significativa, mas não causal
(isto é, não coincidentes no tempo e no espaço);
(3)
Como
se referindo a eventos que coincidem no tempo e no espaço, mas que também podem
ser julgados como tendo conexões psicológicas significativas;
(4)
Como
ligando os mundos psíquico e material (nos escritos de Jung sobre a
sincronicidade, muitas vezes, mas nem sempre, o mundo material inorgânico).
Além disso, a
sincronicidade pode ocorrer de formas diferentes: como uma coincidência simultânea
de um estado psíquico e um evento externo no mesmo tempo e espaço; uma coincidência
de um estado psíquico com um evento externo distante no espaço; uma coincidência
de um estado psíquico com um evento externo distante no tempo (a precognição);
e também distantes no tempo e espaço.
A sincronicidade
pode ocorrer em estado de vigília bem como em sonhos. Sonhar com algo e logo
após haver uma coincidência externa, possui um significado psicológico latente.
Jung (2000) cita
um caso muito significativo de sincronicidade:
“O exemplo que vos proponho é o de uma jovem paciente que se mostrava
inacessível, psicologicamente falando, apesar das tentativas de parte a parte
neste sentido. A dificuldade residia no fato de ela pretender saber sempre
melhor as coisas do que os outros. Sua excelente formação lhe fornecia uma arma
adequada para isto, a saber, um racionalismo cartesiano aguçadíssimo,
acompanhado de uma concepção geometricamente impecável da realidade. Após
algumas tentativas de atenuar o seu racionalismo com um pensamento mais humano,
tive de me limitar à esperança de que algo inesperado e irracional acontecesse algo que fosse capaz de despedaçar a retorta
intelectual em que ela se encerrava. Assim, certo dia eu estava sentado diante
dela, de costas para a janela, a fim de escutar a sua torrente de eloquência.
Na noite anterior ela havia tido um sonho impressionante no qual alguém lhe
dava um escaravelho de ouro (uma jóia preciosa) de presente. Enquanto ela me
contava o sonho, eu ouvi que alguma coisa batia de leve na janela, por trás de
mim. Voltei-me e vi que se tratava de um inseto alado de certo tamanho, que se
chocou com a vidraça, pelo lado de fora, evidentemente com a intenção de entrar
no aposento escuro. Isto me pareceu estranho. Abri imediatamente a janela e apanhei
o animalzinho em pleno vôo, no ar. Era um escarabeídeo, da espécie da cetonia
aurata, o besouro-rosa comum, cuja cor verde-dourada torna-o muito semelhante a
um escaravelho de ouro. Estendi-lhe o besouro dizendo-lhe: ‘está aqui o seu
escaravelho’. Este acontecimento abriu a brecha desejada no seu racionalismo, e
com isto rompeu-se o gelo de sua resistência intelectual. O tratamento pôde
então ser conduzido com êxito”.
Jung observou
também que as sincronicidades ocorrem principalmente quando um arquétipo está
constelado e por isso possuem um caráter numinoso, ou seja, carregado de
mistério e com uma natureza transcendente. Isso porque o inconsciente coletivo
com seus arquétipos possui uma natureza absolutamente transpessoal.
Mas ele alerta
ao fato de não supormos que o arquétipo “causou” o evento:
“Eu me inclino,
porém a admitir que a sincronicidade em sentido mais estrito é apenas um caso
especial de organização geral, aquele da equivalência dos processos psíquicos e
físicos onde o observador está em condição privilegiada de poder reconhecer o
tertium comparationis. Mas logo que percebe o pano de fundo arquetípico, ele é
tentado a atribuir a assimilação dos processos psíquicos e físicos
independentes a um efeito (causal) do arquétipo, e assim, a ignorar o fato de
que eles são meramente contingentes. Evitamos este perigo se considerarmos a
sincronicidade como um caso especial de organização acausal geral. (...) ...
devemos considerá-los [os acontecimentos acausais] como atos de criação no
sentido de uma creatio continua (criação contínua) de um modelo que se repete
esporadicamente desde toda a eternidade e não pode ser deduzido a partir de
antecedentes conhecidos. (Jung, 2000)
Para Jung, nos
eventos sincronisticos há uma espécie de precognição de eventos futuros. Mas
para ele a grande importância nesses acontecimentos está no significado e na
coincidência.
Como se trata de
um assunto profundo e de grande dificuldade de interpretação podemos cair em
alguns equívocos.
Um deles é
superestimar a sincroniciade. É claro que não se deve subestimar esses fenômenos,
mas dar uma importância indevida a eles pode nos levar ao erro de achar que
tudo é sincronicidade!
“O fato do
evento sincronístico não ter uma causa pode levar ao erro de se imaginar que
tudo aquilo que não tem uma causa conhecida é um evento sincronístico. Quanto a
isso Jung é bem claro, afirmando que: “Devemos obviamente nos prevenir de
pensar todo evento cuja causa é desconhecida como “sem causa”. Isso é
admissível apenas quando uma causa não é nem sequer imaginável. Este é
especialmente o caso quando espaço e tempo perdem seu significado ou aparecem
relativizados, caso em que uma conexão causal também torna-se impensável.” (Jung,
2000)
Para finalizar o
assunto, é importante termos em mente que a sincronicidade é mais que meras coincidências,
pois ela sempre traz subjacente um arquétipo. Como no caso do escaravelho
citado por Jung, houve por meio de uma imagem arquetípica a constelação de um
arquétipo e essa sincronicidade possuía um significado muito profundo para
aquela analisanda.
Portanto o
significado é de extrema importância para a sincronicidade. E esse significado
deve ser profundo, algo que venha a ampliar a consciência da pessoa, fazendo-a
sair da prisão de seu estado atual.
A sincronicidade
mostra então um caminho a ser trilhado pelo ego, de forma a colocar o individuo
no processo de individuação.
Em nossa
sociedade ocidental, escrava da racionalidade se dá pouca importância a esses
eventos. Entretanto quanto mais nos aproximarmos do nosso inconsciente e
prestamos atenção aos sinais enviados, podemos nos tornar mais completos, mais
humanos e assim mais sincronicidades podem ocorrer em nossas vidas, transformando
aquilo que é ordinário em transcendente e trazendo um novo significado a nossa existência.
Bibliografia:
JUNG, C. G. Sincronicidade. Petrópolis: Vozes, 2000,
10ª edição.
http://www.rubedo.psc.br/dicjung/verbetes/sincroni.htm
. Acesssado em 02-02-2915.
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