Reinações de Narizinho
Por: Hellen Reis Mourão
Reinações
de Narizinho é uma obra do grande escritor brasileiro Monteiro Lobato, escrita
em 1931.
O
livro deu o impulso para a série Sitio do Pica Pau Amarelo.
Apesar
de a obra conter algumas passagens inadequadas com o tom preconceituoso em
relação à negra Tia Anastácia (aceito na época do lançamento), a obra é uma das
mais importantes da literatura infantil.
Composta
de capítulos onde mesclam os personagens do sitio com personagens famosos do
imaginário infantil, a obra é um conto de fadas brasileiro.
Reinações
de Narizinho faz parte da cultura brasileira e ainda se mantém como adaptação
para a televisão até os dias atuais. Por essa razão, mesmo tendo alguns conteúdos
preconceituosos, seu conteúdo permanece por ser universal.
A
heroína da obra, Narizinho é uma menina chamada Lucia. Neta de Dona Benta e
mora no sítio com sua avó e com Tia Nastácia. Tem sete anos possui pele morena jambo.
É uma curiosa, sonhadora e sapeca. Seu apelido é devido ao seu nariz
arrebitado.
Ou
seja, Narizinho é muito diferente da menina branca apresentada no programa de
televisão.
Narizinho
passa férias no sitio da avó juntamente com Pedrinho, seu primo. Na obra, além
de sua avó e de Tia Anastácia, vivem no sítio a boneca Emilia, o sábio Visconde
de Sabugosa e Rabicó um leitão guloso e preguiçoso.
Para
começarmos a analisar Narizinho é bom pontuarmos que é um conto de fadas
brasileiro, por isso certas peculiaridades são diferentes dos contos clássicos
europeus. A obra traz implicitamente um Brasil ideal na concepção de Lobato e
um ideal infantil também.
Narizinho
não é uma princesa. Ela é uma menina muito viva e faceira e que vive em maio a
um mundo de imaginação. E esse é o grande valor da obra; o de valorizar o mundo
de fantasias da criança.
Pois
é assim que a mente infantil funciona: ela funde, por vezes, fantasia com
realidade e não fica claro qual é o limite entre uma e outra. Isso significa
que estamos no mundo do inconsciente, com suas figuras arquetípicas.
As
crianças vivem em maior intensidade dentro desse mundo do inconsciente e
conforme Carl Jung, o ego (centro da consciência) é formado pelos choques com a
realidade. E esse choque vem por parte da família, principalmente dos pais, que
frustram por vezes as birras e os caprichos desnecessários da criança. Dessa forma,
com esses choques, ela descobre que não pode tudo e que existem limitações
externas e internas para sua atuação.
Mas
esses choques não devem ser intensos a ponto de causar uma ruptura e uma
dissociação. E momentos onde a criança necessita se deixar levar pela
imaginação são necessários, para que ela aprenda com o brincar a colocar na
realidade esse mundo arquetípico.
Dona
Benta, que ama e mima os netos, raramente repreendendo-os. A avó é a famosa “mãe
com açúcar” e no mundo infantil a avó representa um paraíso onde tudo é possível.
E nesse Brasil ideal de Monteiro, passar as férias no sitio da avó seria uma
forma espetacular de trabalhar em meio a natureza o mundo do imaginário.
Sobre
os pais não temos informações. Mas nesse mundo de fantasias eles não aparecem com
suas leis e ordem.
A
menina possui uma boneca – Emilia - que foi feita por Tia Anastácia que começa
a falar ao engolir uma pílula falante do Doutor Caramujo.
A
boneca, como por exemplo, no conto da Vasalisa a sabida, pode ser considerado
um fetiche no qual encarna o espírito da mãe. Ela substitui a figura materna positiva.
Em
Reinações a boneca é espevitada e atrevida e quando aprende a falar diz
tudo o que pensa, mas levando os personagens a reflexão. E ela não vem da mãe de
Narizinho, mas da Tia Anastácia, que confeccionou a boneca.
Tia
Anastácia é descendente de escravos e trabalha no sitio ao que parece de bom
grado. Ela tem uma relação maternal com Narizinho e Pedrinho e opina sobre
diversos assuntos com as crianças e com Dona Benta.
Dona
Benta simboliza a herança cultural africana do brasileiro. Por meio da boneca ela
nos presenteia com a sabedoria da terra e não com o conhecimento lógico. Ela mostra
o quanto às tradições africanas estão inseridas em nosso inconsciente coletivo.
Simbolizando a culinária e a crendice que herdamos.
Dona
Benta já possui uma função dupla: a matriarcal e patriarcal. Ela cuida das
crianças, mas também gerencia o sitio na parte alimentar e econômica. Ela possui
um aspecto de Velha Sabia que conseguiu unir em si os princípios masculinos e
femininos.
É
ela quem transmite conhecimento as crianças por meio das histórias que ela
conta. Ela estimula a imaginação e a criatividade, e cuida deles sem a
repressão e cobranças dos pais.
Ela
é também uma mulher a frente de seu tempo. Na década de 1930 quando a obra foi
escrita, o papel da mulher na sociedade era muito limitado, contudo, Dona Benta
administra uma propriedade rural, mesmo tendo mais de 60 anos. Além de possuir
cultura e capacidade de aceitar o novo.
Infelizmente
hoje as escolas perderam o habito da leitura e “contação” de histórias para as
crianças. Em Reinações, Monteiro Lobato, mostra o quanto é importante deixar
que as histórias oníricas entrem na realidade da criança para o desenvolvimento
da criatividade.
Além
disso, Lobato nos mostra a importância da valorização desse mundo imaginário e
de fantasias na formação dos pequenos por parte dos adultos, além da arte de
ensinar a negociação entre a fantasia e a realidade.
Reinações
mostra que o mundo infantil deve ser respeitado e que deve ser estimulada uma
atitude critica na criança diante desse material da fantasia. Ela precisa
desses momentos para passar por essas experiências e os adultos também.
A
imaginação do homem moderno foi massacrada pelo desenvolvimento tecnológico e o
ato de brincar com suas fantasias e tentar compreende-las é algo que deve ser
retomado, pois trazer um pouco de fantasia para a realidade do adulto pode
trazer novas perspectivas e tirar um pouco da carga da realidade.
Hoje
o homem moderno deve aprender a arte da negociação entre esses dois mundos: o
interno com seus sonhos e fantasias e o externo com suas demandas, para que a
vida se encha com um fluxo de mais perspectivas.
Bem
há muito mais a se falar sobre a obra. Deixei alguns personagens de fora, mas posteriormente,
em outro texto, venha analisá-los. Assim ficamos com um gostinho de “quero mais”.
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