Hermes - O psicopompo
Por: Hellen Reis Mourão
Hermes era Filho do deus Zeus e da deusa Maia. Nasceu num dia quatro
(número que lhe era consagrado), numa caverna do monte Cilene, ao sul da
Arcádia. O menino revelou-se de uma precocidade extraordinária, apesar de
enfaixado e colocado no vão de um salgueiro, árvore sagrada, símbolo da
fecundidade e da imortalidade, o que traduz, de saída, um rito iniciático.
No mesmo dia em que veio à luz, desligou-se das faixas, demonstração
clara de seu poder de ligar e desligar, e viajou até a Tessália. Lá furtou uma
parte do rebanho de Admeto, guardado por Apolo.
Amarrou ramos na cauda dos componentes do rebanho, para que, enquanto
andassem, fossem apagando os próprios rastros. Numa gruta sacrificou duas
novilhas aos deuses, dividindo-as em doze porções, embora os imortais fossem apenas
onze: é que acabava de promover-se a décimo segundo. Encontrou uma tartaruga no
caminho, retirou-lhe a carapaça e, com as tripas das novilhas sacrificadas,
fabricou a lira.
Apolo descobriu o roubo e o acusou formalmente perante Maia, que negou
que pudesse o menino, nascido há poucos, dias ter praticado semelhante delito.
Apolo apelou para Zeus, que interrogou ao filho, persistindo este na negativa.
Zeus, convencido da mentira do filho, obrigou-o a prometer que nunca mais
mentiria, no que Hermes concordou. Zeus, contudo, acrescentou que Hermes não
estaria obrigado a dizer a verdade por inteiro.
Apolo ficou encantado com o som que Hermes arrancava da lira, trocando
assim o rebanho roubado pelo instrumento.
Em outra ocasião, Hermes criou a “flauta de Pã”. Tendo Apolo gostado
da flauta, propôs-lhe uma troca: ofereceu em troca o “cajado de ouro”
(Caduceu), que usava para guardar o gado. Hermes aceitou, pedindo, além do
cajado de ouro, lições de adivinhação.
Apolo assentiu. Desse modo, o caduceu de ouro passou a figurar entre
os atributos principais de Hermes, que, de resto, ainda aperfeiçoou a arte
divinatória, auxiliando a leitura do futuro por meio de pequenos seixos.
Os mitos descrevem Hermes como uma divindade complexa, com muitos
atributos e funções. Todas associadas à flexibilidade, inconstância,
imparcialidade, ausência de fixação, e também associadas a características
secundárias a estas, como a sedução, a mentira, a adivinhação, astúcia, etc.
Essas características plasmaram a imagem de Hermes em formas diversas, a saber:
Deus agrário, protetor dos pastores nômades indo-europeus e dos
rebanhos.
Tem qualidade de “Trickster”, pela astúcia utilizada ao ter furtado o
rebanho de Apolo, tornando-se o símbolo de tudo que remeta a astúcia, ardil e
trapaça; amigo e protetor dos comerciantes e dos ladrões.
Hermes é um dos “menos olímpicos dos imortais”, pois gostava de se
misturar com os homens. Zeus disse-lhe certa vez; -“Hermes, tua mais agradável
tarefa é ser o companheiro do homem; ouves quem estimas”, ampliando-lhe, assim,
as funções (companheiro do homem, dispensador de bens).
Regente das estradas, pois se locomovia com incrível velocidade, devido
as sandálias de ouro que usa. Não se perdia na noite porque dominava as trevas.
Para agradecê-lo ou para obter bons lucros, os viajantes lançavam pedras aos
caminhos, em honra ao deus. A pedra tem, neste caso, um significado especial,
simboliza a união do crente com o Deus, ao qual as mesmas características são
consagradas; na pedra está a força, a perpetuidade e a presença do divino
(protetor dos viajantes, das estradas).
Conhecedor dos caminhos, sem ponto fixo e sem morada definida, Hermes
era mensageiro dos deuses entre si, é mensageiro entre estes e os homens.
Realiza a função de psicopompo, conduzindo assim as almas dos mortos a Hades, e
também trazendo-as à luz, quando solicitado.
É aquele que transmite toda ciência secreta. Não sendo apenas um deus
olímpico, mas igualmente ou, sobretudo um "companheiro do homem",
Hermes tem o poder de lutar contra as forças ctônias (terrenas), porque as
conhece. Todo aquele que recebeu deste deus o conhecimento das fórmulas mágicas
tornou-se invulnerável a toda e qualquer obscuridade. Aquele que é iniciado
pelo luminoso Hermes é capaz de resistir a todas as atrações das trevas, porque
se tornou igualmente um "perito".
Como dito anteriormente, Hermes, assim como o romano Mercúrio, o
africano Exu, o egípcio Thot e o hindu Ganesha, representa o arquétipo do
psicopompo
Psicopompo é uma palavra que tem origem no grego psychopompós, junção
de psyché (alma) e pompós (guia) e designa um ente cuja função é guiar ou
conduzir a percepção de um ser humano entre dois ou mais eventos significantes.
Arquétipo que efetua a tarefa de revelar um símbolo ou sentido de
orientação, necessário para a continuidade da trajetória individual de quem o
encontra.
Este guia interior pode ser de natureza humana, (na mitologia grega como
Ariadne), animal (coelho de Alice no País das Maravilhas) ou espiritual (como
no caso de Hermes).
Quando nos encontramos em um estado de identificação unilateral com
nosso ego e a vida consciente, podemos ser surpreendidos por eventos que
desestruturam nosso equilíbrio emocional. Nessas ocasiões Hermes se fará presente,
fazendo traquinagens a fim de restabelecer a integridade psíquica, levando o
individuo a lidar com neuroses, somatizações e outras dificuldades psíquicas.
A capacidade desse Deus de lidar com os três níveis – o inferior, o
terreno e o superior, o torna capaz de transitar e trazer mensagens destes
planos. Em uma análise profunda, é capaz de trazer mensagens do inconsciente
para a consciência, possibilitando que os conteúdos reprimidos (sombra) e o nosso
lado não digno sejam elaborados e ressignificados.
Além disso, a capacidade de conduzir almas por estes planos o torna,
sob o ponto de vista da psicologia analítica, um condutor dos seres em sua
transmutação e em seu processo de individuação.
Portanto, a presença deste arquétipo é de importância vital para o
processo psicoterapêutico e de individuação, uma vez que esse é um trabalho em
conjunto de negociação entre inconsciente e consciente.
O ato de se tornar consciente, portanto, deve passar pelo nosso lado
menos bonito, menos digno, aquilo que não agrada o coletivo e que
constantemente desprezamos, mas que é extremamente necessário para entrarmos em
contato com outros lados de nossa personalidade. Pois somente aquilo que
evitamos é que pode nos curar!
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